O Projeto de Lei nº 354, de 2009, em trâmite no Senado Federal (desde
11 janeiro deste ano na Comissão de Assuntos Econômicos), tem como
medida principal a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem
tributária, evasão de divisas (e sua lavagem), descaminho, falsificação
de documento, falsidade ideológica e sonegação previdenciária, em
relação às pessoas que mantêm dinheiro no exterior sem declará-los no
Brasil e sem o consequente e devido pagamento de impostos.
No caso de transformação do projeto em lei, a regularização se dará
por meio da declaração das contas bancárias e bens à Receita Federal,
sem a obrigação de retornar os valores ao Brasil, e, se das receitas e
bens declarados resultar imposto a pagar, a pessoa gozará de uma
tributação mais favorável do que aquela destinada aos demais cidadãos
brasileiros. Pagará apenas quantias correspondentes entre 5% a 10% sobre
o valor total declarado, dependendo do caso - no sistema ordinário elas
chegam a 27,5%.
A remessa ilegal de dinheiro ao exterior (evasão de divisas) e a
manutenção de valores no estrangeiro sem a devida declaração ao Banco
Central são crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, com penas de
reclusão de dois a seis anos e multa (art. 22 da Lei nº 7.492, de 1986).
No campo fiscal, a não declaração à Receita Federal enseja a autuação
e a incidência da pena de dois a cinco anos de prisão, em caso do não
pagamento do tributo (Lei nº 8.137, de 1990).
Além disso, a remessa ao exterior é uma técnica de lavagem de
dinheiro que visa impedir o rastreamento do lucro obtido com o crime. O PL é um retrocesso e vai contra a construção de uma sociedade livre e justa
O fato de que parte dos recursos, ilegalmente mantidos no exterior,
tenha sido remetida ao estrangeiro há décadas, não evoca a prescrição,
ou seja, a impossibilidade de punição pelo crime de evasão de divisas em
razão do tempo decorrido, uma vez que a manutenção ilegal de dinheiro
no exterior é crime permanente - a sua consumação se prolonga no tempo
e, por consequência, a prescrição começa a correr a partir do dia que
cessar a permanência -, ou seja, apesar de não ser possível a aplicação
de pena ao autor da evasão de divisas, ele ainda pode ser condenado pela
manutenção do dinheiro não declarado no exterior.
Entretanto, aprovado o projeto, aqueles que optassem em declarar bens
e valores ilegalmente mantidos no exterior, não responderiam pelos
crimes contra a ordem tributária e aos delitos de evasão de divisas e
sua correspondente lavagem, além dos crimes de descaminho, falsificação
de documento público e particular, falsidade ideológica e sonegação de
contribuições previdenciárias.
O projeto de lei impossibilita também a punição do crime de lavagem
de dinheiro dos bens obtidos com a corrupção, o tráfico de drogas e
armas e outros crimes diversos da sonegação tributária, ao não exigir
prova de que o dinheiro no exterior tenha sido obtido anteriormente em
razão de atividade lícita.
Dessa forma, ao efetuar a mera declaração dos bens, o criminoso não
poderia mais ser punido e ainda receberia benefícios fiscais, pagando
menos impostos que os cidadãos brasileiros que nunca enviaram recursos
ilegalmente para o exterior.
Inequívoco que o projeto representa um retrocesso e vai de encontro
com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como manda a
Constituição Federal.
Além da questão moral de premiar aqueles que não cumprem as leis,
violando o princípio da igualdade e difundindo no meio social a
impressão de que no Brasil o crime compensa, permitirá a reintrodução no
país de valores obtidos por meio do tráfico de drogas, lavagem de
dinheiro, corrupção e crimes financeiros.
Em muitos casos, a aplicação da própria lei possibilitará a lavagem de dinheiro ilícito, com o uso de "laranjas" e outros meios.
Os seus defensores alegam que alguns países já adotaram tal medida.
Esquecem-se que outros não só não cederam a essa tentação, como optaram
por desenvolver ações mais eficazes na repressão à evasão de divisas e
têm com isso conseguido recuperar grandes quantias.
Nos EUA, p. ex., além do investimento em inteligência no FBI, há
decisões judiciais que obrigam os bancos a fornecerem às autoridades os
nomes de clientes que tenham contas em suas sedes/filiais em outros
países, sob pena de pesada multa (caso United States VS. Bank of Nova
Scotia, 740 F2d 817 - 11th Cir. 08/14/1984).
Ora, se há uma vontade legítima de que o Brasil atue como
protagonista no cenário mundial, não seria mais adequado fortalecer e
inovar os meios de recuperação de ativos mantidos ilegalmente no
exterior, ao invés de ceder aos interesses de criminosos profissionais e
de sonegadores contumazes?
Perguntamo-nos ainda: no Brasil o crime compensa? Aprovado o
mencionado projeto, em relação aos crimes do colarinho branco, obteremos
a resposta.
Bruno Titz Rezende e Milton Fornazari Junior
21/03/2011
Bruno Titz Rezende e Milton Fornazari Junior são,
respectivamente, delegado de Policia Federal, lotado na Delegacia de
Repressão a Crimes Financeiros em São Paulo e mestrando em direito penal
pela PUC-SP, delegado de Policia Federal, lotado na Delegacia de
Repressão a Entorpecentes em São Paulo e mestre em direito penal pela
PUC-SP
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21/03/2011 |