Quando, em Washington, jovens advogados perguntam aos veteranos como
conseguiram advogar perante a Suprema Corte, a resposta é uma piada
sobre o Carnegie Hall, famosa sala de espetáculos situada em New York na
qual os maiores artistas do mundo costumam coroar suas carreiras. "Como
chego à Suprema Corte?" - perguntam os jovens advogados. "Da mesma
forma que se chega ao Carnegie Hall: Prática, prática, prática..." -
respondem os veteranos.
No Brasil, a advocacia perante o Supremo Tribunal Federal (STF) tem
se reinventado. Um advogado chegará à Suprema Corte de modo semelhante
ao dos artistas para alcançarem o Carnegie Hall: "Prática, prática e
prática".
O Judiciário brasileiro viu crescer, diante de si, verdadeiros
paredões de processos exigindo pronta apreciação. Uma sociedade complexa
consolidou-se frustrada por não ver direitos se tornarem realidade. Os
dois braços que representam as maiorias - Executivo e Legislativo - não
conseguiam dar as respostas reclamadas pela população. O Judiciário era
acionado de modo sistemático. As coisas permaneciam no mesmo lugar: o
lugar errado. Daí ter surgido mecanismos de racionalização processual
tentando estancar a hemorragia institucional que ameaçava o próprio
Estado.
Nasceu a "repercussão geral", por meio da qual um recurso
extraordinário só será apreciado pelo Supremo caso ultrapasse os
interesses das partes. A sistemática de julgamento é: 1) escolhe-se um,
ou alguns, recursos; 2) paralisa-se o julgamento de todos os casos que
tratem da matéria; 3) o STF julga o recurso escolhido; 4) todo o
Judiciário aplica aquela decisão aos casos semelhantes. Não resta dúvida de que a racionalização processual tem efeitos positivos
Quanto à praxe do Supremo, é possível identificar as consequências
dessa nova sistemática: (i) esvaziamento das discussões nas turmas; (ii)
debates mais qualificados no Plenário; (iii) harmonia das decisões
judiciais; (iv) superação de formalidades na admissão de recursos; (v)
debate de "teses" e não de "processos"; (vi) projeção da Suprema Corte e
de seus precedentes; (vii) consolidação da interpretação democrática
com a participação dos amici curiae; (viii) necessidade de articulação
por parte dos interessados nos julgamentos, para que possam participar
dos debates.
É claro que não se faz uma revolução sem perplexidades. A primeira
delas é a divergência entre o resultado do julgamento proferido pelo
Supremo e o caso concreto sobre o qual incidirá esse mesmo resultado.
Muitas vezes, os juízes aplicam o precedente a casos que diferem do que
foi decidido. Essas divergências de informações entre o Supremo e os
demais tribunais têm trazido problemas não só às partes, mas ao próprio
STF.
Recentemente a Suprema Corte devolveu um recurso extraordinário à
origem, em razão do reconhecimento, num outro recurso, da repercussão
geral da matéria constitucional nele debatida. O tribunal devolveu os
autos ao Supremo, por entender que havia diferença entre a hipótese
examinada no leading case e os fatos do processo devolvido. O ministro
Joaquim Barbosa, mais uma vez, determinou a devolução dos autos ao
tribunal, todavia, para fazê-lo, teve de fundamentar sua decisão de tal
forma que praticamente decidiu o caso novamente.
Para solucionar essas controvérsias, inúmeras questões de ordem têm
sido suscitadas. Todavia, o ideal é a gradual alteração do regimento
interno do STF à medida que for se consolidando a postura da Corte
quanto à repercussão geral.
Nada obstante ainda haja efeitos colaterais na consolidação do
instituto da repercussão geral no STF, não resta dúvida de que a
racionalização processual tem efeitos positivos dentro do sistema
judicial brasileiro, tornando possível a administração da justiça e
possibilitando celeridade e previsibilidade maiores do que as existentes
no modelo anterior.
Saul Tourinho Leal
17/02/2011
Saul Tourinho Leal é professor de direito constitucional,
secretário-geral da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos
Advogados do Brasil, seccional do Distrito Federal. Doutorando em
direito constitucional pela PUC-SP
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17/02/2011 |