A legislação pátria criminaliza a sonegação fiscal (arts. 1º e 2º da Lei
nº 8.137, de 1990), a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A
do CP) e a sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP).
Na realidade, seriam meras infrações administrativas que não se
confundem às ações torpes de outros crimes, mas que, por política
criminal, ganharam a classificação de crime - apenas para se dar força
às execuções fiscais.
Na prática, tem-se um procedimento criminal quase idêntico ao fiscal,
que dificilmente deixa escapar a comprovação dos fatos. Somado a um
contrato social que atribui ao sócio diversos poderes, mesmo sem
efetivamente exercê-los, permitindo fortes indícios de sua participação
no delito, a defesa mais plausível acaba sendo a alegação de
dificuldades econômicas.
Que não se entenda ser a alegação abominável nos tribunais. Estas
circunstâncias são a principal causa do não cumprimento das obrigações
tributárias, vez que o administrador, por vezes, dá preferência ao
pagamento dos funcionários em prejuízo de deveres, na esperança do
quadro financeiro da empresa se reverter, conseguindo ele saldar seus
débitos em atraso - até com o Fisco.
Em termos técnicos, a dificuldade financeira se figura como hipótese
de "inexigibilidade de conduta diversa". Essa causa de exclusão do
caráter culpável de uma ação não encontra expressão em norma, tanto que o
Código Penal abriga duas formas de sua ocorrência: o constrangimento,
pela ameaça ou violência, da qual não pode se furtar sem maior lesão, e a
obediência à ordem de superior hierárquico, no Direito Público, que não
vá contra a lei. Referência genérica a dificuldades de caixa não permitem a exclusão da culpa
Por conseguinte, aparentemente, o mencionado instituto não deveria
ter aplicação além da que o legislador previu. Porém, por observações da
doutrina e, curiosamente, dos tribunais, viu-se que a ideia da não
exigência de outro comportamento que não o adotado pelo indivíduo nas
situações acima expostas ia além: a lei - em especial a penal - busca
incitar no indivíduo sua civilidade, mas não transformá-lo em herói.
Esperar do sujeito uma manifestação diferente daquela exigida pela
sociedade como aceitável e única cabível ao caso, só para evitar a
infração a dispositivos legais, significa ir contra a função do direito
de regular a vida em sociedade.
Assim, com a exigência da severidade das dificuldades e da ausência
de alternativas a sua solução, além da excepcionalidade da apropriação
ou sonegação, as Cortes do país vêm aplicando a "inexigibilidade" às
ocasiões em que a empresa não teria opção, em termos financeiros, para
ver seus débitos saldados.
Neste sentido, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, por
meio de sua 1ª Turma Especializada, julgou em apelação que "se as
dificuldades financeiras não resultaram de fraude ou má-fé e se foram
graves a ponto de ameaçar a própria sobrevivência do negócio, admite-se a
aplicação da causa supralegal excludente de culpabilidade conhecida
como inexigibilidade de conduta diversa". Para o relator do recurso, o
juiz federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, é preferível, ante o
interesse público, a perda casual de receita ao fim das atividades
empresariais, que resultaria em gravames econômico-sociais, como a perda
de arrecadação e a extinção de postos de trabalho.
Todavia, entendem os tribunais estaduais e federais, que a referência
genérica a dificuldades de caixa não permitem a exclusão da culpa, até
porque, por força do artigo 156 do Código de Processo Penal (CPP),
incumbe provar a alegação quem a fizer.
O que não se revela um ponto pacífico é o tipo ou a forma de
apresentação da prova capaz de ensejar absolvição. Por um lado, os
testemunhos se verificam vagos, na maior parte das vezes. Por outro,
muitos dos documentos que teriam algum valor já foram oferecidos à vista
no procedimento fiscal.
Algumas decisões se arriscam a oferecer indicações que, contudo,
acabam caindo em fórmulas vazias ou imprecisas. Nesse aspecto, são
vários os acórdãos do TRF da 4ª Região que envolvem conceitos de
comprometimento ou decréscimo patrimoniais de ordem pessoal ou
societário.
Frente à realidade, pode parecer que a tese de defesa será decidida
numa loteria. E não faltam dúvidas. Existem - e se sim, quais são -
critérios objetivos na aferição das circunstâncias hábeis para findar um
processo? Como demonstrar isto ao juízo tão acostumado com espécies
similares de proposições defensivas? Somente a análise caso a caso pode
oferecer melhores soluções.
Enfim, ainda que haja questionamentos, cumpre ao defendido conhecer a
individualidade e a evolução dos bens seus e de sua sociedade; enquanto
que ao defensor cabe expor estas informações na medida da necessidade
processual, além de orientar seu cliente na busca de mostrá-lo como
inadimplente eventual, distinguindo-o do sonegador. É o que, em suma, as
Cortes têm buscado na interpretação dos crimes referidos.
Ariel Abrahão Gadia
10/02/2011
Ariel Abrahão Gadia é advogado associado do escritório
Nogueira da Rocha Advogados e pós-graduando em direito público pela
Escola Paulista da Magistratura.
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10/02/2011 |