Instituídos com a finalidade de estimular a capitalização das
sociedades, os juros sobre capital próprio (JCPs) têm sido largamente
utilizados pelas pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no
lucro real, constituindo um dos mais relevantes instrumentos de
planejamento financeiro e tributário.
Sua introdução deu-se com a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995,
cuja exposição de motivos esclarece seu propósito, antevendo "um
incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras,
capacitando-as a elevar o nível de investimentos, sem endividamento, com
evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao
crescimento sustentado da economia".
É inegável a importância dessa figura, sobretudo no que respeita ao
incentivo à redução do endividamento das empresas, substituindo o
mecanismo da correção monetária das demonstrações financeiras, abolida
com o advento do Plano Real.
Em síntese, a Lei nº 9.249 permitiu às sociedades a dedução, na base
do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL), do valor correspondente aos juros sobre
capital próprio pagos ou creditados aos respectivos sócios ou
acionistas, calculados com base na variação pró-rata da Taxa de Juros de
Longo Prazo, desde que demonstrem a existência de lucros, computados
antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de
lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a
serem pagos ou creditados.
Esses juros podem ser inclusive imputados ao valor dos dividendos de
que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das
S.A). Ou seja, as sociedades podem pagar juros sobre capital próprio
aos respectivos sócios e acionistas em substituição aos lucros e
dividendos, desde que respeitadas as condições e limites acima
referidos, e desde que retido e recolhido o imposto de renda na fonte, à
alíquota de 15%. O governo ofereceu um benefício com uma das mãos e o retirou com a outra
Uma primeira observação a ser feita na abordagem desse tema é que,
apesar de sua denominação, os JCPs não são fruto de mútuo ou
financiamento, e sim de investimento de risco, razão pela qual o termo
"juros" soa inapropriado. No entanto, a Lei nº 9.249, de 1995, fez por
bem tratá-los como juros apenas e tão somente para efeito de apuração do
IRPJ e de CSLL, valendo-se, para esse fim, do disposto no art. 109 do
Código Tributário Nacional (CTN), que permite ao legislador atribuir a
institutos do direito privado efeitos tributários diversos daqueles que
seriam normalmente produzidos nas relações entre particulares.
Demais disso, se uma das condições para que os JCPs pagos sejam
dedutíveis é a existência de lucros, então de juros não se trata,
porquanto a obrigação de pagá-los independe da situação patrimonial da
pessoa jurídica.
Isso tudo não seria preocupante se o Poder Executivo não tivesse
editado o Decreto nº 5.164, de 30 de julho de 2004, que adotou redação
ambígua para equiparar os JCPs a receitas financeiras para fins de
incidência das Contribuições para o PIS e para a Cofins.
Sem entrar no mérito da sua legalidade, que vem sendo objeto de
intensa discussão nos tribunais superiores, restou evidente o desvio da
finalidade da Lei nº 9.249, que como se disse, foi originalmente
concebida como um instrumento de estímulo à capitalização e à saúde
financeira das empresas.
Com efeito, ao mesmo tempo em que permite a dedução dos valores pagos
a esse título como despesa de juros, o famigerado decreto submete a
sociedade que recebê-los à incidência das contribuições para o PIS e
para a Cofins, representando uma carga de 9,25%.
Essa exigência resultou no esvaziamento da pretensão governamental de
inibir o endividamento das empresas, ao reduzir substancialmente a
vantagem proporcionada por esse instrumento, afetando sobremaneira as
estruturas societárias verticalizadas. Além disso, ao não admitir o
crédito, como insumo, dos valores pagos a título de JCPs, a legislação
do PIS e da Cofins acabou por contrariar não apenas os objetivos que
inspiraram a introdução desse mecanismo, como também o princípio da não
cumulatividade que norteia aquele ordenamento.
Em outras palavras, ao trilhar esse caminho, o governo acabou por
oferecer ao contribuinte um benefício com uma das mãos, e retirá-lo de
seu bolso com a outra. Esse paradoxo na ação governamental exige
imediata revisão, pois de nada adianta prestigiar a capitalização das
empresas sem abrir mão da arrecadação, anulando por completo o benefício
vislumbrado quando da edição da Lei nº 9.249, de 1995.
Vinícius Branco
20/01/2011
Vinícius Branco é sócio de Levy & Salomão Advogados, foi
presidente do comitê de assuntos tributários da Associação Brasileira
de Bancos Internacionais (ABBI)
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24/01/2011 |