Receita não pode decretar quebra de sibilo bancárioA
quebra do sigilo bancário só pode ser decretada por ordem judicial,
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, de
acordo com a Constituição. Dessa forma, o Pleno do Supremo Tribunal
Federal decidiu, por cinco votos a quatro, que a Receita Federal não tem
poder de decretar, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário
do contribuinte, durante julgamento do Recurso Extraordinário interposto
pela GVA Indústria e Comércio contra medida do Fisco, nesta
quarta-feira (15/12). Por meio do RE, a GVA defendeu que os
dispositivos da Lei 10.174/2001, da Lei Complementar 105/2001 e do
Decreto 3.724/2001 usados pela Receita para acessar dados da
movimentação financeira da empresa não têm qualquer respaldo
constitucional. O relator do caso, ministro Marco Aurélio, destacou em
seu voto que o inciso 12 do artigo 5º da Constituição diz que é
inviolável o sigilo das pessoas salvo duas exceções: quando a quebra é
determinada pelo Poder Judiciário, com ato fundamentado e finalidade
única de investigação criminal ou instrução processual penal, e pelas
Comissões Parlamentares de Inquérito. “A inviabilidade de se estender
essa exceção resguarda o cidadão de atos extravagantes do Poder Público,
atos que possam violar a dignidade do cidadão”. Marco Aurélio
lembrou outra exceção aberta no julgamento do Mandado de Segurança
21.629, que atribuiu ao procurador geral da República a quebra do sigilo
bancário, porém, em casos que tratarem de dinheiro público. “No
entanto, o procurador não se confunde com a Receita. Essa medida não
pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público para promover
uma devassa nas contas bancárias do contribuinte”. Ao final, o relator
votou pelo provimento do RE. O decano da Corte, ministro Celso de
Mello, seguiu entendimento do relator. Ele destacou que a função tutelar
do Poder Judiciário investe apenas aos juízes e aos tribunais a exceção
de postular sobre a violação do sigilo de dados, o que neutraliza
abusos do Poder Público. Para Celso de Mello, a intervenção moderadora
do Poder Judiciário é a garantia de respeito tanto ao regime dos
direitos e garantias fundamentais quanto à supremacia do próprio
interesse público. Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes, que
negou provimento da Ação Cautelar interposta pela GVA para impedir a
quebra de seu sigilo bancário pela Receita, mudou seu entendimento. Ele
afirmou que, nesses casos, deve ser observada a reserva de jurisdição.
Também seguiram o voto do relator os ministros Ricardo Lewandowski e o
presidente do STF, Cezar Peluso. Divergência
O ministro Dias Toffoli abriu divergência. “O caso é de transferência de
dados sigilosos de um portador, que tem o dever de manter o sigilo, a
outro portador, que deve manter o sigilo. Mesmo porque, a eventual
divulgação desses dados fará incidir o tipo penal e permitirá todas as
responsabilizações previstas em lei”. Toffoli citou o parágrafo 1
do artigo 145 da Constituição, que diz que, “sempre que possível, os
impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio,
os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, para afirmar
que o contribuinte tem obrigação, por força de lei, de apresentar a
declaração de seus bens. Seguiram o voto divergente o ministro
Ayres Britto, que destacou que a Constituição prestigia a Receita
Federal, e a ministra Cármen Lúcia. A ministra Ellen Gracie chegou a
pedir vista, porém, como os ministros cogitaram conceder medida cautelar
para que o objeto do RE não fosse perdido, uma vez que o julgamento
seria suspenso até o ano que vem, a ministra optou por negar o
provimento do RE. Sustentação oral
A GVA foi representada pelo advogado José Carlos Cal Garcia Filho, sócio
do escritório Cal Garcia Advogados Associados. Em sua sustentação oral,
ele defendeu que a medida do Fisco ofende os incisos 10 e 12 do artigo
5º da Constituição, que dispõem sobre os direitos fundamentais à
intimidade, à vida privada, à honra, à imagem e ao sigilo. Segundo o
advogado, a quebra de sigilo bancário deve ser solicitada para fins de
investigação criminal, e não para fiscalização da Receita. “Deixo a
sugestão para que seja exigida da Receita a apresentação de fundamentos
que indiquem, pelos menos, a fraude fiscal para que se peça os dados
financeiros do contribuinte”. Já o procurador da Fazenda Nacional
Fabrício de Albuquerque afirmou que o acesso só é permitido em processo
administrativo fiscal, aberto por alguma motivação. No caso, o
procurador alegou que, em 1998, a empresa faturou mais de R$ 30 milhões,
porém, só declarou a renda em 2002. “Há maior motivação do que essa?”,
questionou. O procurador afirmou ainda que a proteção da intimidade não
pode ser garantia da impunidade. Ação cautelar
O caso teve início com o comunicado feito pelo Santander à empresa GVA,
informando que a Delegacia da Receita Federal do Brasil – com amparo na
Lei 10.174/2001, da Lei Complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001 –
determinou ao banco, em mandado de procedimento fiscal, a entrega de
extratos e outros documentos pertinentes à movimentação bancária da
empresa relativa ao período de 1998 a julho de 2001. A defesa da
empresa entrou com mandado de segurança para evitar que as informações
bancárias obtidas pela Receita, sem autorização judicial, pudessem ser
utilizadas em procedimento de fiscalização conduzido pela Delegacia da
Receita Federal em Ponta Grossa (PR). O Tribunal Federal da 4ª
Região negou a segurança e a questão foi submetida ao STF. Como o
Recurso Extraordinário não possui efeito suspensivo, os advogados da GVA
interpuseram medida cautelar, que foi deferida pelo Ministro Marco
Aurélio. No entanto, no dia 24 de novembro, o pleno do Supremo cassou a
medida, por seis votos a quatro. Agora, com o provimento do RE, a
Receita não terá acesso direto aos dados financeiros da empresa. RE 389.808
http://www.conjur.com.br/2010-dez-15/fisco-nao-poder-decretar-quebra-sigilo-bancario-contribuinte
16/12/2010 |