Administração Pública não é responsável por pagamentos trabalhistas na inadimplência de empresas contratadas, decide STF
Por
votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou,
nesta quarta-feira (24), a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo
1º, da Lei 8.666, de 1993, a chamada Lei de Licitações. O dispositivo
prevê que a inadimplência de contratado pelo Poder Público em relação a
encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à
Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem pode
onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das
obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
A decisão foi tomada no julgamento da
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, ajuizada pelo
governador do Distrito Federal em face do Enunciado (súmula) 331 do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, contrariando o disposto no
parágrafo 1º do mencionado artigo 71, responsabiliza subsidiariamente
tanto a Administração Direta quanto a indireta, em relação aos débitos
trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de
terceiro especializado.
Reclamações
Em vista do entendimento fixado na ADC
16, o Plenário deu provimento a uma série de Reclamações (RCLs)
ajuizadas na Suprema Corte contra decisões do TST e de Tribunais
Regionais do Trabalho fundamentadas na Súmula 331/TST. Entre elas estão
as RCLs 7517 e 8150. Ambas estavam na pauta de hoje e tiveram suspenso
seu julgamento no último dia 11, na expectativa de julgamento da ADC 16.
Juntamente com elas, foram julgadas procedentes todas as Reclamações
com a mesma causa de pedir.
Por interessar a todos os órgãos
públicos, não só federais como também estaduais e municipais, os
governos da maioria dos estados e de muitos municípios, sobretudo de
grandes capitais, assim como a União, pediram para aderir como amici curiae (amigos da corte) nesta ADC.
Alegações
Na ação, o governo do DF alegou que o
dispositivo legal em questão "tem sofrido ampla retaliação por parte de
órgãos do Poder Judiciário, em especial o Tribunal Superior do Trabalho
(TST), que diuturnamente nega vigência ao comando normativo expresso no
artigo 71, parágrafo 1º da Lei Federal nº 8.666/1993”. Observou, nesse
sentido, que a Súmula 331 do TST prevê justamente o oposto da norma do
artigo 71 e seu parágrafo 1º.
A ADC foi ajuizada em março de 2007 e,
em maio daquele ano, o relator, ministro Cezar Peluso, negou pedido de
liminar, por entender que a matéria era complexa demais para ser
decidida individualmente. Posta em julgamento em setembro de 2008, o
ministro Menezes Direito (falecido) pediu vista dos autos, quando o
relator não havia conhecido da ação, e o ministro Marco Aurélio dela
havia conhecido, para que fosse julgada no mérito.
Hoje, a matéria foi trazida de volta a
Plenário pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, uma vez que o
sucessor do ministro Direito, o ministro Dias Toffoli, estava impedido
de participar de seu julgamento, pois atuou neste processo quando ainda
era advogado geral da União.
Na retomada do julgamento, nesta
quarta-feira, o presidente do STF e relator da matéria, ministro Cezar
Peluso, justificou o seu voto pelo arquivamento da matéria. Segundo ele,
não havia controvérsia a ser julgada, uma vez que o TST, ao editar o
Enunciado 331, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71,
parágrafo 1º, da Lei 8.666.
Ainda segundo o ministro, o presidente
do TST, solicitado a prestar informações sobre o caso, relatou que
aquela Corte reconhece a responsabilidade da administração com base em
fatos, isto é, no descumprimento das obrigações trabalhistas, não com
base na inconstitucionalidade da norma discutida na ADC. “Como ele não
tem dúvida sobre a constitucionalidade, não há controvérsia”, concluiu o
ministro presidente.
Mas, segundo o presidente do STF, isso
“não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos
de cada causa”. “O STF não pode impedir o TST de, à base de outras
normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder
público”, observou ele, em outra intervenção. Ainda conforme o ministro,
o que o TST tem reconhecido é que a omissão culposa da administração em
relação à fiscalização de seus contratados gera responsabilidade.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia
divergiu do ministro Cezar Peluso quanto à controvérsia. Sob o ponto de
vista dela, esta existia, sim, porquanto o enunciado do TST ensejou uma
série de decisões nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e, diante
delas e de decisões do próprio TST, uma série de ações, sobretudo
Reclamações (RCLs), junto ao Supremo. Assim, ela se pronunciou pelo
conhecimento e pelo pronunciamento da Suprema Corte no mérito.
O ministro Marco Aurélio observou que o
TST sedimentou seu entendimento com base no artigo 2º da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), que define o que é empregador, e no artigo
37, parágrafo 6º da Constituição Federal (CF), que responsabiliza as
pessoas de direito público por danos causados por seus agentes a
terceiros.
Decisão
Ao decidir, a maioria dos ministros se
pronunciou pela constitucionalidade do artigo 71 e seu parágrafo único, e
houve consenso no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e
terá de investigar com mais rigor se a inadimplência tem como causa
principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público
contratante.
O ministro Ayres Britto endossou
parcialmente a decisão do Plenário. Ele lembrou que só há três formas
constitucionais de contratar pessoal: por concurso, por nomeação para
cargo em comissão e por contratação por tempo determinado, para suprir
necessidade temporária.
Assim, segundo ele, a terceirização,
embora amplamente praticada, não tem previsão constitucional. Por isso,
no entender dele, nessa modalidade, havendo inadimplência de obrigações
trabalhistas do contratado, o poder público tem de responsabilizar-se
por elas.
FK/MB