Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada
Surgida na França e comum em países como
Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d’une
chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando
interesse no direito brasileiro – embora não seja aplicada com
frequência nos tribunais do país.
A teoria enuncia que o autor
do dano é responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou
impede a pessoa de evitar prejuízo. Nesse caso, há uma peculiaridade em
relação às outras hipóteses de perdas e danos, pois não se trata de
prejuízo direto à vítima, mas de uma probabilidade.
Não é rara a
dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real
de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da
chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’
do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de
lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.
O
juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil,
aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance
como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e
dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro
segmento”.
Show do milhão
No STJ, um voto do ministro
aposentado Fernando Gonçalves é constantemente citado como precedente.
Trata-se da hipótese em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o
prêmio máximo de R$ 1 milhão no programa televisivo “Show do Milhão”,
em virtude de uma pergunta mal formulada.
Na ação contra a BF
Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico Silvio Santos, a
autora pleiteava o pagamento por danos materiais do valor
correspondente ao prêmio máximo do programa e danos morais pela
frustração. A empresa foi condenada em primeira instância a pagar R$ 500
mil por dano material, mas recorreu, pedindo a redução da indenização
para R$ 125 mil.
Para o ministro, não havia como se afirmar
categoricamente que a mulher acertaria o questionamento final de R$ 1
milhão caso ele fosse formulado corretamente, pois “há uma série de
outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a
enorme carga emocional da indagação final”, que poderia interferir no
andamento dos fatos. Mesmo na esfera da probabilidade, não haveria como
concluir que ela acertaria a pergunta.
Relator do recurso na
Quarta Turma, o ministro Fernando Gonçalves reduziu a indenização por
entender que o valor advinha de uma “probabilidade matemática” de acerto
de uma questão de quatro itens e refletia as reais possibilidades de
êxito da mulher.
De acordo com o civilista Miguel Maria de Serpa
Lopes, a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo deve ser muito
fundada, pois a indenização se refere à própria chance, não ao lucro ou
perda que dela era objeto.
Obrigação de meio
A teoria
da perda da chance tem sido aplicada para caracterizar responsabilidade
civil em casos de negligência de profissionais liberais, em que estes
possuem obrigação de meio, não de resultado. Ou seja, devem conduzir um
trabalho com toda a diligência, contudo não há a obrigação do resultado.
Nessa situação, enquadra-se um pedido de indenização contra um
advogado. A autora alegou que o profissional não a defendeu
adequadamente em outra ação porque ele perdeu o prazo para interpor o
recurso. Ela considerou que a negligência foi decisiva para a perda de
seu imóvel e requereu ressarcimento por danos morais e materiais
sofridos.
Em primeira instância, o advogado foi condenado a
pagar R$ 2 mil de indenização. Ambas as partes recorreram, mas o
tribunal de origem manteve a sentença. No entendimento da ministra Nancy
Andrighi, relatora do recurso especial na Terceira Turma, mesmo que
comprovada a culpa grosseira do advogado, “é difícil antever um vínculo
claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do cliente, pois
o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos
ao seu controle.”
Apesar de discorrer sobre a aplicação da
teoria no caso, a ministra não conheceu do recurso, pois ele se limitou a
transcrever trechos e ementas de acórdãos, sem fazer o cotejo analítico
entre o acórdão do qual se recorreu e seu paradigma.
Evitar o dano
Em
outro recurso de responsabilidade civil de profissional liberal, o
relator, ministro Massami Uyeda, não admitiu a aplicação da teoria da
perda da chance ao caso, pois se tratava de “mera possibilidade,
porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade
civil, em regra, não é indenizável”.
No caso, um homem ajuizou
ação de indenização por dano moral contra um médico que operou sua
esposa, pois acreditava que a negligência do profissional ao efetuar o
procedimento cirúrgico teria provocado a morte da mulher.
A ação
foi julgada improcedente em primeira instância, sob três fundamentos: o
autor deveria comprovar, além do dano, o nexo causal e a culpa do
médico; as provas produzidas nos autos não permitem atribuir ao médico a
responsabilidade pelos danos sofridos pelo marido; não há de se falar
em culpa quando surgem complicações dependentes da condição clínica da
paciente.
Interposto recurso de apelação, o tribunal de origem
deu-lhe provimento, por maioria, por entender que o médico foi
imprudente ao não adotar as cautelas necessárias. O profissional de
saúde foi condenado a pagar R$ 10 mil por ter havido a possibilidade de
evitar o dano, apesar da inexistência de nexo causal direto e imediato.
No
recurso especial, o médico sustentou que tanto a prova documental
quanto a testemunhal produzida nos autos não respaldam suficientemente o
pedido do marido e demonstram, pelo contrário, que o profissional
adotou todas as providências pertinentes e necessárias ao caso.
De
acordo com o ministro Uyeda, “para a caracterização da responsabilidade
civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional,
imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal”. Ele deu
parcial provimento ao recurso para julgar improcedente a ação de
indenização por danos morais.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=99879
22/11/2010 |