Regra do sigilo bancário é divisora de águas na jurisprudênciaRecentíssima
e importante decisão foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça,
envolvendo a legitimidade do Ministério Público para solicitar aos EUA a
quebra de sigilo bancário de pessoas físicas e jurídicas com contas no
exterior. O presidente do STJ, Ministro Ari Pargendler,
contrariando o entendimento da lavra do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, que não a deferia, e voltando atrás em seu próprio
entendimento, julgou ser lícito ao Ministério Público solicitar o acesso
aos dados bancários em instituições financeiras localizadas na América
do Norte. A legalidade da solicitação basearia-se no Tratado de Assistência Legal Mútua entre Brasil e Estados Unidos. O
pedido foi solicitado no âmbito de um inquérito civil instaurado para
apurar notícias de irregularidades eventualmente praticadas por membros
da Igreja Universal do Reino de Deus. Além do pedido de quebra de sigilo
bancário de pessoas físicas e jurídicas, com o fornecimento de
documentos dos investigados a partir do ano de 1992, há também a
solicitação de congelamento de bens. O mandamus foi
impetrado contra ato do promotor Saad Mazlum, tendo sido concedida a
ordem pelo Juízo Monocrático, que tornou nula a solicitação do MP, sob o
argumento de que a quebra de sigilo bancário dependeria, na legislação
pátria, de prévia autorização judicial. O tribunal paulista
confirmou o entendimento esposado anteriormente, ressaltando ser
necessário o cumprimento das formalidades da lei nacional para que se
obtivesse as informações bancárias, ainda que por meio de cooperação
internacional. Primeiramente, o ministro Ari Pargendler havia
concordado com a interpretação dos magistrados do Judiciário paulista,
acolhendo a alegação da impetrante de que o Decreto 3.810/2001, não
preencheria todas as formalidades para sua vigência, já que ele não
teria sido ratificado, além de estar caracterizado o excesso no ato
praticado, vez que ao Estado requerido rogar-se-ia a prática de
determinados atos ainda que investigatórios, dentro dos limites das
atribuições do órgão solicitante. E neste cenário, a autorização
judicial seria imprescindível no Brasil. Na decisão, há a menção
ao fato de a própria autoridade coatora ter reconhecido que a quebra do
sigilo bancário dependeria de autorização judicial, ainda que não de
forma absoluta. Por isso, não haveria como projetar aos órgãos
requeridos a prática de atos para os quais, pela Constituição Federal
pátria, não se dispõe da atribuição e competência necessárias. Acrescenta
o Ministro que “pouco importa a denominação formal que veio a ser dada
ao instrumento utilizado pelo Ministério Público para obtenção da quebra
do sigilo bancário. O fato é que para 'transferência' de tal ato
investigativo e por projeção da atribuição interna do órgão ministerial,
mister se faria a prévia autorização judicial”. A decisão avaliou
que por mais relevantes que fossem os fatos objeto de investigação, as
providências não poderiam olvidar os procedimentos e as restrições
legais vigentes nos países parceiros, sobretudo quando puderem resultar
na obtenção de informações pessoais e sigilosas relacionadas à vida
privada e intimidade, bens constitucionalmente protegidos no artigo 5º,
inciso X, no qual está inserida a garantia do sigilo bancário ou aos
negócios da pessoa jurídica legalmente constituída. Prosseguiu o
Ministro informando que a própria Lei Complementar 105/2001 em seu
artigo 3º, condiciona a prestação de informações pelo Banco Central do
Brasil, CVM e pelas instituições financeiras, à determinação pelo Poder
Judiciário, preservando-se, ainda, o seu caráter sigiloso mediante
acesso restrito às partes, que delas não podem servir-se para fins
estranhos à lide. Desta forma, seria absolutamente imprestável como
prova a documentação de natureza bancária, ainda que conseguida por meio
de cooperação internacional, que não observe-se as formalidades da lei
nacional para sua obtenção. Por derradeiro, relembrou que a Corte
Especial do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a cooperação
jurídica internacional não se esgota em sede de jurisdição e as
investigações estão limitadas pelos mesmos padrões, inclusive dos de
natureza processual, que devem ser observados para as providências
semelhantes no âmbito interno - e, portanto, sujeitas a controle pelo
Poder Judiciário, por provocação de qualquer interessado (Rcl nº 2.645,
SP, rel. Min. Teori Zavascki, 16.12.2009). A autoridade brasileira,
portanto, não poderia obter no exterior, pela via da colaboração
jurídica internacional, o que lhe está vedado, no exercício da
competência própria, no país, parecendo temerário autorizar o Ministério
Público a solicitar a quebra de sigilo bancário no exterior, sabido que
no Brasil essa providência depende de ordem judicial., tanto mais que
“a quebra do sigilo bancário constitui fato irreversível, e que,
portanto, caracteriza o perigo inverso: o de que o sigilo bancário seja
quebrado, e posteriormente declarado ilegal”. Mais de um mês
depois, após avaliar trabalho doutrinário da lavra do ministro Gilson
Dipp, especialista em cooperação jurídica internacional, reviu a sua
posição, convencendo-se de que, no pedido de auxílio jurídico direto, o
Estado estrangeiro não se apresenta na condição de juiz, mas de
administrador. Nessa situação, não haveria o encaminhamento de uma
decisão judicial a ser executada, mas, tão somente, uma solicitação de
assistência para que, em outro território, fossem tomadas providências
para satisfazer o pedido. Dessa forma, o seu atendimento dependeria de
previsão legal do Estado requerido, não importando, para esse efeito, o
que a legislação brasileira disponha a respeito. A decisão do Ministro Presidente, publicada em 28 de outubro de 2010, foi vazada nos seguintes termos: “À
vista das razões dos agravos regimentais de fl. 575/611 e 614/625,
reconsidero a decisão de fl. 565/569 para deferir o pedido de suspensão
dos efeitos da sentença proferida no mandado de segurança impetrado pela
Igreja Universal do Reino de Deus contra ato do Promotor de Justiça da
9ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.Com
efeito, a cooperação jurídica internacional, na modalidade de auxílio
direto, tem o caráter de solicitação, e o atendimento, ou não, desta
depende da legislação do Estado requerido. Na espécie, a solicitação do
Ministério Público do Estado de São Paulo foi dirigida à autoridade dos
Estados Unidos da América do Norte. Nada importa, para esse efeito, o
que a legislação brasileira dispõe a respeito. As investigações
solicitadas serão realizadas, ou não, nos termos da legislação daquele
País. O ministro Gilson Dipp, em
trabalho doutrinário, esclareceu o ponto, não obstante referindo-se à
hipótese inversa, aquela em que o Brasil é o Estado requerido, in verbis
: "Pelo pedido de auxílio jurídico
direto, o Estado estrangeiro não se apresenta na condição de juiz, mas
de administrador. Não encaminha uma decisão judicial a ser aqui
executada, mas solicita assistência para que, no território nacional,
sejam tomadas as providências necessárias à satisfação do pedido. Se as
providências solicitadas no pedido de auxílio estrangeiro exigirem,
conforme a lei brasileira, decisão judicial, deve a autoridade
competente promover, na Justiça brasileira, as ações judiciais
necessárias. O Estado estrangeiro, ao
se submeter à alternativa do pedido de auxílio jurídico direto, concorda
que a autoridade judiciária brasileira, quando a providência requerida
exigir pronunciamento jurisdicional, analise o mérito das razões do
pedido. O mesmo não ocorre no julgamento da carta rogatória pelo STJ,
cujo sistema exequatur impede a revisão do mérito das razões da autoridade estrangeira, salvo para verificar violação à
ordem pública e à soberania nacional. Na carta rogatória, dá-se
eficácia a uma decisão judicial estrangeira, ainda que de natureza
processual ou de mero expediente. No pedido de auxílio, busca-se
produzir uma decisão judicial doméstica e,como tal, não-sujeita ao juízo
de delibação" (Carta Rogatória e Cooperação
Internacional, in Manual de Cooperação Jurídica Internacional e
Recuperação de Ativos, publicado pelo Ministério da Justiça, Brasília,
1ª edição, 2008, 1ª edição). Comunique-se, com urgência. Intimem-se. Brasília, 26 de outubro de 2010. MINISTRO ARI PARGENDLER Presidente” Parece
claro que a citada decisão monocrática é extremamente corajosa, não
apenas por ser fruto da reconsideração de uma manifestação anterior,
mas, principalmente, por tratar de tema absolutamente controvertido, que
suscita reações desenfreadas e que nem sempre os nossos Tribunais
Superiores quiseram enfrentar. Mencione-se também, que o
precedente é da lavra da autoridade máxima do Superior Tribunal de
Justiça e será, certamente, um divisor de águas na jurisprudência que
trata de sigilo bancário e cooperação internacional. A partir de agora o
Ministério Público e por que não dizer o país, passam a contar com um
poderosíssimo instrumento na luta, quase inglória, contra os ilícitos
ocorridos aqui, sempre que os seus autores se valham de países
estrangeiros para o exaurimento de seu iter criminis.
http://www.conjur.com.br/2010-nov-11/regra-sigilo-bancario-divisora-aguas-jurisprudencia
12/11/2010 |