MANIFESTO CONTRA O NOVO CPC
XXXIII Colégio de Presidentes de Subseções da OAB – São Paulo
A
justificativa central da elaboração deste manifesto é a critica à
necessidade e à conveniência da elaboração de um novo Código de Processo
Civil.
Como
se sabe, há cerca de um ano foi criada uma Comissão de Juristas pelo
Senado, presidida pelo Ministro Luiz Fux, do STJ, para a elaboração de
um anteprojeto de CPC. Tal Comissão realizou algumas dezenas de
Audiências Públicas pelo Brasil e apresentou o texto em junho de 2010,
sem ter submetido as novidades à prévia e necessária discussão com as
instituições interessadas, dentre as quais a Ordem dos Advogados do
Brasil.
Alijada
do efetivo e cuidadoso debate sobre a oportunidade de criação de um
novo CPC, a classe dos advogados se vê surpreendida pela possibilidade
de que o Projeto n. 166/2010 seja aprovado pelo Senado Federal até
dezembro, o que se mostra inusitado em nossa história democrática: um
projeto da grandeza e importância como a de um CPC – apresentado há
pouco meses – ser aprovado pelo Senado SEM A DEVIDA MATURAÇÃO
DEMOCRÁTICA.
Este
grave fato, no entanto, não nos impede de reconhecer que das dezenas de
propostas surgidas, muitas parecem realmente interessantes e bem que
poderiam constituir – não sem antes passar pelo crivo da discussão,
evidentemente – um projeto de mais uma LEI DE REFORMA DO CPC vigente,
mas NÃO DE CRIAÇÃO DE UM NOVO CPC, até porque é de todos sabido que a
ineficiência da Justiça brasileira, na seara civil, não decorre
diretamente dos defeitos das leis do processo, mas principalmente da
inadequada gestão do Poder Judiciário, da administração imperfeita que
circunda os nossos fóruns e tribunais. Eis a razão pela qual teria sido
importante abrir espaço para a discussão e o debate prévios acerca da
alteração do sistema do processo civil brasileiro como um todo.
Antes
de se pensar em um novo diploma processual, devemos nos ocupar, no
mínimo, com sete problemas que emperram nosso Judiciário e que nada têm a
ver com os defeitos do CPC.
1. Ausência da vontade política para criar um Judiciário eficiente;
2. Falta de investimento de recursos orçamentários para o aparelhamento da Justiça;
3. Falta de informatização completa dos órgãos jurisdicionais e administrativos do PJ;
4. Falta de capacitação, motivação e remuneração do pessoal da Justiça.
5. Número relativamente baixo de juízes;
6. Falta de capacitação específica dos nossos magistrados para administrar cartórios e secretarias;
7. Ausência de padronização da rotina administrativo-cartorária;
Parece-nos
uma grande ilusão achar que será possível mudar a realidade da nossa
Justiça Civil, do dia para a noite, apenas com alterações da disciplina
processual, sem que enfrentemos decisivamente as grandes questões
administrativas subjacentes, salvo, é claro, se partirmos para a criação
de um processo do tipo autoritário como o que vem sendo desenhado e que
permite ao órgão jurisdicional a adaptação do procedimento, retira o
efeito suspensivo das apelações e admite a concessão de cautelares sem a
ferramenta do processo cautelar. Tais propostas, ao lado de tantas
outras de caráter autoritário, ferem garantias do cidadão e, como
conseqüência, a própria DEMOCRACIA BRASILEIRA ESTARÁ EM PERIGO se o
preço da rapidez e da agilidade processual for a CRIAÇÃO DE UM JUIZ DE
PRIMEIRA INSTÂNCIA COM PODERES TÃO AMPLOS.
Eis
os motivos pelos quais este XXXIII Colégio de Presidentes de Subseções
da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo leva a público o presente
MANIFESTO no sentido de criar uma verdadeira MOBILIZAÇÃO DE RESISTÊNCIA
contra a aprovação, em tão curto espaço de tempo, do Projeto nº 166/2010
que, com certeza, trará grande comprometimento aos direitos dos
advogados e dos cidadãos brasileiros.
Nossa
preocupação com o Projeto do Senado se funda em, pelo menos, treze
pontos que apontam para o surgimento de um novo processo civil
autoritário.
1.
A possibilidade de o juiz “adequar as fases e os atos processuais às
especificações do conflito” (art. 107, V). “Quando o procedimento ou os
atos, a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da
causa, deverá o Juiz, ouvidas as partes e observado o contraditório e a
ampla defesa, promover o necessário ajuste.” (art. 151, § 2º).
2.
A eliminação do LIVRO PROCESSO CAUTELAR com o que restarão eliminadas
todas as disciplinas dos procedimentos específicos (arresto, seqüestro,
busca e apreensão, arrolamento, alimentos provisionais, atentado), o que
significa poderes cautelares amplos e incondicionados conferidos aos
juízes de primeiro grau.
3.
A possibilidade de concessão de liminares, em geral, sem a demonstração
de periculum in mora, sob a forma de “tutela de evidência” ou “tutela
de urgência” (art. 285, III), significando, mais uma vez, poderes
desmedidos aos órgãos jurisdicionais monocráticos.
4.
Previsão de que os juízes, ao aplicarem a lei, observem “...sempre os
princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade...” (art. 6º),
o que representa ampliação perigosa do poder jurisdicional mediante a
possibilidade de descumprimento da lei a pretexto de realização de
princípios constitucionais de caráter abstratíssimo.
5.
Previsão de que “os órgãos fracionários seguirão a orientação do
plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos
quais estiverem vinculados” (art. 847, II), o que representa a volta da
ideia de julgamentos vinculantes em afronta à liberdade de julgar e à
criação jurisprudencial espontânea.
6.
A possibilidade de aplicação de multa cominatória sem qualquer limite
de tempo e de valor, em benefício do próprio Estado (art. 503 e
parágrafos).
7.
Eliminação do efeito suspensivo da apelação (art. 908, caput), o que
significará a precipitação das execuções provisórias em afronta à
segurança jurídica, já que é sabido que cerca de trinta por cento (30%)
das apelações são providas em nosso país.
8.
A previsão de pedido de efeito suspensivo, por meio de petição autônoma
ao relator, quando a apelação não tenha tal efeito (art. 908, § 1º e
2º), o que vai desencadear o congestionamento dos tribunais, uma vez
que, em todas as causas, os sucumbentes acabarão pleiteando a suspensão
da execução da sentença.
9.
A fixação de nova verba advocatícia toda vez que a parte sucumbente
recorrer e perder por decisão unânime do tribunal (art. 73, § 6º).
10. A possibilidade de concessão de medidas cautelares de ofício.
11. A exigibilidade imediata, por execução provisória, de multa aplicada em medida liminar.
12. Exigência de depósito imediato da multa que seja aplicada por ato atentatório do exercício da jurisdição (art. 66, § 2º).
13.
A qualificação como “ato atentatório à dignidade da Justiça” o não
comparecimento do réu à audiência de tentativa de conciliação (art. 333,
§ 5º).
São Paulo, 3 de novembro de 2010
Luiz Flávio Borges D’Urso
Presidente da OAB/SP