Iraque responde pela destruição de aviões do KuwaitA
lei que protege Estados soberanos de julgamentos em outros países não
se aplica para atividades ou interesses de caráter comercial. O
entendimento foi aplicado pela Suprema Corte do Canadá, na última
quinta-feira (21/10), ao analisar disputa judicial de décadas envolvendo
empresas aéreas do Iraque e do Kuwait. A briga seria um fruto tardio
da Guerra do Golfo, ocorrida em 1990. A decisão do alto tribunal,
literalmente, deixou a fabricante de aeronaves canadense Bombardier no
meio do fogo-cruzado entre os dois países, além de lançar uma névoa de
incerteza sobre o cumprimento de contratos comerciais que a companhia
tem no Oriente Médio. A Bombardier se viu involuntariamente
envolvida na disputa depois que o Iraque fechou dois contratos com a
fabricante para o fornecimento de jatos regionais, no valor aproximado
de 400 milhões de dólares canadenses. A aérea é a principal concorrente
da companhia brasileira Embraer na fabricação de jatos regionais. As
duas empresas são líderes no segmento em todo o mundo. O governo do
Iraque está no processo porque controlava a Iraqi Airways na época do
conflito, como reconheceu a corte canadense. A empresa aérea
Kuwait Airways tenta obter, há anos, a reparação financeira da
República do Iraque e da companhia Iraqi Airways por perdas decorrentes
da apreensão e destruição de sua frota durante a invasão iraquiana no
país no início da década de 1990. Na busca pela reparação das perdas
sofridas há cerca de 20 anos, a Kuwait Airways está tentando confiscar
os jatos da Bombardier. Quatro das dez aeronaves comerciais previstas
em contrato já foram entregues ao Iraque. A decisão de quinta-feira
deixa dúvida quanto ao futuro do negócio. “A Bombardier gostaria
de cumprir o contrato e efetuar a entrega dos jatos CRJ-900 ao nosso
cliente”, afirmou o porta-voz da fabricante, John Arnone em nota
oficial. “É um infortúnio que nos encontremos no meio dessa disputa.
Estamos estudando a decisão de hoje e iremos discutir o problema com
nosso cliente, o governo do Iraque”, disse o relações públicas ainda na
quinta-feira. O processou judicial que chegou à Suprema Corte do
Canadá iniciou, anos atrás, na Inglaterra, onde a Kuwait Airways entrou
com uma ação contra a companhia aérea iraquiana. Depois de uma
interminável batalha em tribunais, a Iraqi Airways foi condenada a
pagar US$ 1 bilhão à empresa aérea do Kuwait. Em 2008, o governo do
Iraque também foi condenado a arcar com outros US$ 84 milhões (US$ 28
milhões somente de custos diretos e indiretos com o processo judicial).
O tribunal inglês aceitou o argumento da Kuwait Airways de que o
Iraque, além de financiar, controlava a empresa aérea de seu país
durante todo o período em que se deu a disputa legal. O tribunal
inglês amparou sua decisão no argumento de que o sequestro da
propriedade da companhia aérea do Kuwait pelo governo do Iraque não
correspondeu a um ato soberano. A apreensão de bens promovida pelo
Iraque se enquadrava no que previa a Lei de Imunidade de Estado (criada
na Inglaterra em 1978), que determina que “exceções comerciais” não
estão protegidas pelo princípio da imunidade. De tal forma, o Iraque
não estaria resguardado de julgamentos ocorridos em outros países. A
fim de confiscar os jatos da Bombardier, a Kuwait Airways, há dois
anos, tentou validar a decisão e o argumento do tribunal inglês no
Canadá, em uma corte de apelação em Quebec e junto à Suprema Corte da
Província de Quebec. A ação foi indeferida em ambos os tribunais sob o
entendimento de que o Iraque, por ser uma nação estrangeira, estaria
imune à jurisdição dos tribunais canadenses. Porém, em uma
decisão unânime (9-0), os juízes da Suprema Corte do país reconheceram e
acataram o argumento do tribunal britânico, considerando, para tanto, o
conceito que prevê a suspensão da Imunidade de Estado para casos
comerciais. A decisão
“A invasão iraquiana ao Kuwait em 1990 e a subsequente Guerra do Golfo
repercutiram em consequências inesperadas que acabaram chegando às
cortes canadenses”, escreveu o juiz Louis LeBel ao estabelecer a
decisão. “Para que esse caso encerre, é necessário aceitar as
conclusões do magistrado inglês, no sentido de que o Iraque foi
responsável por numerosos atos de falsificação e ocultação de provas
que enganaram os tribunais da Inglaterra”, explicou LeBel. “Além disso,
os litígios dos quais o governo tomou parte para proteger a Iraqi
Airways levaram à retenção das aeronaves que a companhia aérea do Kuwait
tentava reaver. Não há como relacionar esse contencioso de âmbito
comercial com um ato soberano de apreensão de propriedade”, concluiu. O
juiz LeBel afirmou ainda que a corte rejeitou o argumento da defesa do
governo do Iraque, de que se apossar da propriedade, das aeronaves e
equipamentos pertencentes à Kuwait Airways foi um ato soberano e, como
tal, deveria dispor de imunidade de Estado “junto ao abrigo da lei
canadense”. De acordo com o jornal Toronto Sun, a decisão
da Suprema Corte “deixa no ar” também o destino de dois imóveis que
pertencem ao governo do Iraque, situados em Montreal. A Kuwait Airways
reivindica os dois edifícios como parte do ressarcimento por prejuízos.
O texto da Suprema Corte canadense menciona o direito da companhia de
“reaver ativos que o governo iraquiano tenha no Canadá”, segundo a
reportagem do Toronto Sun desta sexta-feira (22/10). Em
nota, o relações públicas e porta-voz da Bombardier, John Arnone,
preferiu não especular, afirmando que ainda era cedo para se avaliar
que consequências a decisão da Suprema Corte terá sobre os negócios da
fabricante de aeronaves. Contudo, representantes da Bombardier
afirmaram, nesta sexta-feira (22/10), à agência de notícias Bloomberg, que a companhia é uma “inocente terceira parte envolvida nessa situação e que pode vir a sofrer prejuízos tremendos”. Um
dos advogados que representam a companhia aérea do Kuwait comemorou a
decisão, dizendo que esta abre caminho para a reparação que tem sido
reivindicada por 20 anos. “De qualquer forma, é uma tragédia que este
caso precise de uma batalha desse porte para se encerrar; a decisão
unânime dos juízes da Suprema Corte canadense deixa claro que a Iraqi
Airways continua lutando e resistindo contra cada aspecto e detalhe
legal que envolve a contenda, mesmo os mais sutis, ao invés de
reconhecer e aceitar internacionalmente suas responsabilidades legais”,
afirmou em nota o advogado da aérea do Kuwait, Christopher Goodings, à
reportagem do diário Vancouver Sun. A Suprema Corte do
Canadá envia agora o processo de volta à Suprema Corte de Quebec para
que esta reveja o pedido da Kuwait Airways e acate o mérito da decisão
do tribunal britânico em território canadense.
http://www.conjur.com.br/2010-out-24/iraque-condenado-destruicao-avioes-kuwait-airways
25/10/2010 |