Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários – Um exemplo
Luiz Gabriel Gubeissi*
Muito
se discutiu a respeito da possibilidade do Poder Judiciário ingressar
na análise de mérito dos atos administrativos discricionários ou se
apenas deveria se restringir à análise de sua legalidade, embora a
doutrina dominante já tenha se posicionado no sentido afirmativo.
O
STF, através da decisão paradigmática proferida no REsp 17.126/MG
firmou o moderno entendimento, de que é possível o controle
jurisdicional sobre os motivos do ato administrativo decisório, cuja
respectiva Ementa segue colacionada: "CABE AO PODER JUDICIÁRIO
APRECIAR A REALIDADE E A LEGITIMIDADE DOS MOTIVOS EM QUE SE INSPIRA O
ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA
ESTÁ SUJEITO A CENSURA JUDICIÁRIA".
Como ensina o emérito Professor Celso Antonio Bandeira de Mello (in Discricionariedade e Controle Jurisdicional, 2ª Edição), "motivo é a situação a de direito ou de fato que autoriza ou exige a prática do ato".
Como se observa no breve trecho, ele distingue duas espécies de motivo,
o legal e o de fato. Prosseguindo em seu ensinamento motivo legal é a
previsão abstrata de uma situação fática, contida na regra de direito,
ao passo que motivo de fato é a própria situação fática em vista do qual
o ato é praticável. Em suma, motivo legal é aquele previsto na lei e o
de fato, aquele que ocorreu no mundo.
Já
a motivação é a exposição dos motivos, ou seja, a própria justificativa
do ato. Com efeito, esse é um elemento formal do ato administrativo e
não se confunde com o motivo, ou seja, as razões de fato ou de direito
que levaram a Administração a praticar determinado ato administrativo.
Pois
bem. As decisões administrativas através das quais as autoridades do
Procon aplicam multas de acordo com a permissão do artigo 57 do CDC
(clique aqui), tratam-se de atos administrativos discricionários,
justamente porque existe uma margem de liberdade para que tais
autoridades arbitrem as multas ali previstas que devem obedecer os
parâmetros estabelecidos no próprio CDC (gravidade da infração, vantagem
auferida e condição econômica do fornecedor), bem como aquelas
previstas em Portarias dos Órgão de Defesa do Consumidor ou Decretos e
leis regionais. Além disso, para aplicação e arbitramento das
mencionadas multas as autoridades administrativas (art. 56, § único do
CDC) devem se pautar em todos os princípios de Direito Administrativo
explícitos e implícitos na CF/88 (clique aqui) bem como na legislação
infraconstitucional esparsa, destacando-se os princípios da
razoabilidade, proporcionalidade, boa-fé e lealdade, posto que através
dessa prerrogativa solucionará um caso concreto de acordo com a
oportunidade e conveniência do ato, bem como da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência previstos no artigo
37 da CF.
Ademais,
os atos administrativos discricionários devem conter todos os elementos
do ato administrativo, principalmente a motivação, com a exposição dos
motivos, que necessariamente deve ser uma infração concreta às normas
consumeristas, além dos critérios de conveniência e oportunidade.
Ocorre
que frequentemente no âmbito dos Órgãos de Defesa do Consumidor nos
deparamos com decisões discricionárias de aplicação de multa
administrativa que desrespeitam totalmente princípios de Direito
Administrativo, além de carecerem de motivo e de motivação, eivando o
ato de nulidade. Inclusive, o arbitramento das multas acaba por culminar
em valores desproporcionais, fenômeno que configura enriquecimento sem
causa da Administração.
Caso
a questão não seja revertida na esfera administrativa, pelo próprio
Procon, revogando seu ato, de acordo com o princípio da autotutela, não
resta alternativa à parte lesada senão se socorrer ao Poder Judiciário,
para que este realize o controle da Administração. Como exemplo dessa
atuação do Judiciário, segue trecho de sentença publicada em 10/9/10,
exarada na ação anulatória nº 2007.001.167162-5 em trâmite na Comarca da
Capital/RJ
"É
de trivial sabença que, qualquer entidade ou órgão da Administração
Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos
interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas
competências, atribuição para apurar e punir infrações das relações de
consumo. Ocorre que, pelos documentos anexados aos autos, percebemos que
a o processo administrativo do PROCON é falho. Aliás, deveria o PROCON
ser objetivo em suas decisões e não colocar sempre os 'modelos padrão'.
Inobstante entendimento contrário, entendo que as doutrinas,
jurisprudências invocadas pelo PROCON deveriam ser postas de lado e o
problema concreto ser enfrentado corretamente. Os diversos casos
conhecidos pelo Juízo e pelo próprio Estado, com relação ao PROCON, já
não acontecem mais, mormente considerando a política atual. Ora, data
vênia, a decisão administrativa no caso é nula. Não existe nada nos
autos que comprove ou demonstre que a embargante cometeu o ilícito
consumerista. Não ficou provado pelo Estado que a empresa causou a falha
de serviço a qualquer consumidor. A multa aplicada só levou em
consideração a capacidade econômica do fornecedor, violando os
princípios da a razoabilidade a proporcionalidade."