Em agosto deste ano foi publicada a Instrução Normativa da Receita
Federal nº 1.059, que regulamentou os procedimentos de controle
aduaneiro e o tratamento tributário aos quais estão submetidos os bens
do viajante procedente do exterior, a ele destinado ou em trânsito de
saída ou chegada ao país.
Nos termos do artigo 2º dessa IN, o termo bagagem abrange não só os
bens portados por viajante ou que, em razão da sua viagem, sejam para
ele encaminhados ao país ou por ele remetidos ao exterior, ainda que em
trânsito pelo território aduaneiro, por qualquer meio de transporte.
Abrange ainda os bens novos ou usados que um viajante, em
compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem, puder destinar para
seu uso ou consumo pessoal, bem como para presentear, sempre que, pela
sua quantidade, natureza ou variedade, não permitirem presumir
importação ou exportação com fins comerciais ou industriais.
Contudo, o parágrafo 3º do mesmo art. 2º estabelece que não se
enquadram no conceito de bagagem veículos automotores em geral,
motocicletas, motonetas, bicicletas com motor, motores para embarcação,
motos aquáticas e similares, casas rodantes (motor homes), aeronaves e
embarcações de todo tipo. E ainda, partes e peças "dos bens
relacionados no inciso I, exceto os bens unitários, de valor inferior
aos limites de isenção, relacionados pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil (RFB)". A norma vai contra a Constituição, contra os direitos sociais e desportivos
Ora, parece-nos que o referido parágrafo 3º vai de encontro à
Constituição Federal, mais especificamente, contra os direitos sociais e
do direito desportivo, os quais asseguram ao cidadão o direito ao
lazer.
O termo lazer pode ser entendido como descanso, folga, tempo que se
pode livremente dispor, uma vez cumpridos os afazeres habituais.
divertimento, entretenimento etc.
Foi nesse exato sentido que o legislador da CF protegeu o lazer como
sendo um direito social, conforme dispõe o seu Art. 6º, os direitos
sociais são: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma da Constituição.
Os direitos sociais são direitos fundamentais do homem,
caracterizam-se por serem liberdades positivas, e obrigatórios em
qualquer estado democrático, aliás, sociais são normas de ordem pública
com característica de serem imperativas e invioláveis por parte do
estado maior.
O legislador constitucional, com vistas ao bem-estar dos cidadãos
dessa República Federativa, consagrou como dever do Estado o fomento de
práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um,
determinando ao Poder Público, a obrigatoriedade de incentivar o lazer,
como forma de promoção social.
Nesse sentido, dispõe o artigo 217 da CF que é dever do Estado
fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de
cada um, observados: (...) parágrafo 3º - "O poder público incentivará o
lazer, como forma de promoção social".
O direito constitucional do incentivo ao lazer está correlacionado ao
direito à vida, à saúde, em busca da efetivação do bem estar de todos
os cidadãos.
Tal conexão de direitos sociais e culturais, intrínsecos à vida em
sociedade são articulados com outros direitos, tais como o direito à
proteção da saúde, direitos da juventude, direito à educação, ao
desenvolvimento integral do ser humano, direito ao desporto
interpenetra-se como os direitos dos trabalhadores como elemento da sua
realização pessoal.
Deste modo, qualquer ato que iniba a prática do lazer vai de encontro
à Constituição Federal, de maneira que a aplicação da Instrução
Normativa ora analisada, ou seja, especificamente o inciso I, do
parágrafo 3º, deve levar em consideração se o bem advindo do exterior é
destinado ao lazer ou mesmo à prática esportiva.
Por exemplo, um motor não deve ser considerado bagagem na hipótese de
o viajante, cidadão brasileiro, possuir autorização do Ibama para
prática da pesca esportiva. Da mesma forma, também não será considerada
bagagem a bicicleta se utilizada não só para competições - atleta
federado -, mas inclusive para o lazer.
Outro ponto que dever ser levado em consideração é o Decreto lei nº
2.120, de 1984, o qual define o conceito de bagagem sendo "o conjunto de
bens do viajante que, pela quantidade ou qualidade não revele
destinação comercial".
A corroborar é o disposto no próprio regulamento aduaneiro, o qual
prevê a isenção de tributos aos bens integrantes da bagagem do viajante,
sendo considerada bagagem, para efeitos fiscais, o conjunto de bens do
viajante que, pela quantidade ou qualidade, não revele destinação
comercial.
Inaplicável, portanto, a retenção daqueles bens mencionados acima, se
devidamente adquiridos para prática do lazer ou esporte, e mais, se não
liberado dentro do cronograma legal, caracterizar-se-á verdadeira
apropriação indébita.
Bruno Zanim, em 14.10.2010
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14/10/2010 |