Mesmo extinta, Lei de Imprensa ainda é tema de muitos recursos no STJ
De acordo com a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) proferida em abril de 2009 no julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130/DF, a Lei de
Imprensa (Lei n. 5.520/1967) deixou de produzir efeitos desde a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Na falta de lei específica
sobre o tema, os magistrados utilizam a legislação civil e a própria
Constituição para julgar casos de supostos abusos da liberdade de
informação.
Diferentemente da declaração de
inconstitucionalidade, a lei pré-constitucional não recepcionada em
julgamento de ADPF não está sujeita à regra da modulação temporal de
efeitos. É como se ela nunca tivesse existido. Por isso, não cabe ao
Judiciário fixar a partir de quando essa lei deixa de valer. Esse é o
entendimento adotado no STF.
Apesar de extinta do ordenamento
jurídico brasileiro há mais de 20 anos, os dispositivos da Lei de
Imprensa ainda são base de muitas decisões judiciais. O destino e
tratamento dos recursos nessas ações são, frequentemente, tema de
discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O fundamental
para o STJ é evitar que, por um lado, acórdãos impugnados sobrevivam com
base na Lei de Imprensa e, por outro, que decisões com outros
fundamentos sejam desnecessariamente anuladas. Entre os inúmeros
processos em trâmite no STJ que tratam desta lei, a ministra Nancy
Andrighi identificou quatro situações, cada uma com solução distinta.
Na
primeira hipótese, a lei foi utilizada como fundamento do acórdão, e o
recurso discute a aplicação e interpretação da lei. Nesse caso, o STJ
tem anulado o acórdão, ainda que sem pedido para isso, e devolvido o
processo à origem para que outro acórdão seja proferido, sem a aplicação
da lei não recepcionada.
Há processos em que a lei foi aplicada
e o recurso pede seu afastamento. Aí a anulação não é necessária. Na
maioria dos casos, é possível o julgamento do recurso porque a
impossibilidade de aplicação da Lei de Imprensa já foi debatida no
processo. Assim, o acórdão é reformado, afastando a norma. É claro que
solução diferente poderá ser adotada, em caráter excepcional, em razão
das peculiaridades de cada caso.
A terceira situação trata da
não aplicação da Lei de Imprensa no acórdão e o recurso pede sua
incidência. Nessas hipóteses, em geral, o recurso não é conhecido porque
invoca aplicação de lei inválida.
Por fim, a situação mais
complexa traz acórdão e recurso com duplo fundamento: na lei civil e na
Lei de Imprensa, o que demanda análise caso a caso. Mesmo assim, foram
estabelecidos alguns parâmetros. Se o duplo fundamento se referir ao
mesmo tema e o recurso tratar apenas da Lei de Imprensa, aplica-se a
Súmula n. 283/STF e mantém-se o acórdão. A súmula estabelece que “é
inadmissível recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta
em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
Quando o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e só a
parcela da legislação civil for questionada, o recurso é conhecido para
discussão dessa parcela. Mas, se o duplo fundamento trata de temas
diversos, aprecia-se a questão caso a caso. O acórdão só será anulado se
a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente contestada pela parte,
comprometer o julgamento por completo devido à manutenção de acórdão
fundado em lei não recepcionada.
Confira abaixo a aplicação dessa tese nos mais recentes julgamentos sobre o tema nas Turmas de Direito Privado do STJ.
Notícia falsa
Com
base na tese apresentada, foi mantida a decisão da Justiça de Mato
Grosso que condenou a Televisão Bororos a pagar R$ 30 mil em indenização
por danos morais a um homem prejudicado pela veiculação de uma notícia
falsa. Um programa policial informou, equivocadamente, que ele era
procurado pela polícia por ter praticado três homicídios no interior de
São Paulo. No recurso ao STJ, a emissora pediu a redução da condenação
com base no artigo 53, inciso III, da Lei de Imprensa, porque se
retratara da notícia no dia seguinte. Como essa lei não foi aplicada no
acórdão, a Terceira Turma negou o recurso.
Embora, por um lado, o
Tribunal não admita a leviandade da imprensa, com a publicação de
matérias absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa;
por outro lado, não exige da atividade jornalística verdades absolutas,
comprovadas previamente por investigações oficiais. A liberdade de
informação deve ser pautada pelo compromisso ético com a informação
verossímil, que, eventualmente, pode abarcar dados imprecisos.
Ciente
do caráter de urgência que envolve a atividade de imprensa, a ministra
Nancy Andrighi decidiu que não se pode exigir que a mídia só divulgue
fatos após ter certeza plena de sua veracidade. “Impor tal exigência à
imprensa significaria engessá-la e condená-la à morte”, afirmou.
Com
esse fundamento, a Terceira Turma cancelou indenização por dano moral
concedida a um motorista chamado de “bêbado” em reportagem. Apesar de
ter sido absolvido em sindicância, ficou comprovado que ele dirigiu e
colidiu o carro oficial que conduzia contra um muro após ingerir bebida
alcoólica em uma festa.
Em outro recurso, a TV Globo pediu a
anulação de sua condenação por danos morais com base na Lei de Imprensa.
A indenização de 100 salários-mínimos é devida a uma fábrica de palmito
que teve seu produto apresentado como impróprio para consumo. Foi
provado que a informação era inverídica.
A decisão judicial que
condenou a emissora teve fundamento na Lei de Imprensa e na
Constituição. Como a recorrente não ajuizou recurso extraordinário para
que o STF avaliasse a questão constitucional, e a lei invocada é
inválida, o ministro Sidnei Beneti não admitiu o recurso, com base na
Súmula n. 283/STF.
Ofensa de jornalistas
A
Lei de Imprensa também foi invocada em recurso especial do jornalista e
comentarista esportivo Orlando Duarte contra acórdão do tribunal
paulista. Ele foi condenado a pagar indenização por danos morais no
valor de 200 salários-mínimos ao também jornalista esportivo José Carlos
Kfouri, em razão de expressões injuriosas ditas em programa de rádio.
No
recurso, Duarte pediu a aplicação do limite indenizatório de cinco
salários-mínimos previsto na Lei de Imprensa. Citando a decisão do STF
na ADPF n. 130/DF, o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do caso,
afastou a aplicação da lei e negou o pedido. A Quarta Turma acolheu o
recurso apenas para converter em reais a indenização fixada em
salários-mínimos.
Abuso da liberdade de informação
O
SBT e o apresentador Carlos Massa recorreram de decisão da Justiça
paulista que os condenou a pagar 500 salários-mínimos em indenização por
danos morais à Igreja Pentecostal Deus é Amor. Os magistrados
entenderam que a manifestação do pensamento em programa de televisão
extrapolou os limites previstos no artigo 220 da Constituição.
No
caso, a entrevista concedida pela ex-esposa de um membro da igreja
teria ultrapassado o campo do interesse público para atingir a esfera
individual e a intimidade.
A emissora e Massa pediram no recurso
a redução da indenização com base no Código Civil e na Lei de Imprensa.
Sem afastar a aplicação da lei, o ministro João Otávio de Noronha
(relator) considerou o valor desproporcional à gravidade da ofensa e
reduziu a indenização para o equivalente a 150 salários-mínimos, a serem
divididos entre os condenados.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=99139
27/09/2010 |