Revisão constitucional sucumbe a crises políticasEm
Portugal, um mecanismo constitucional previsto para manter a
Constituição portuguesa atualizada — e não um remendo de dispositivos —
virou arma política. Pudera. Aprovar uma revisão constitucional é sinal
de poder político no Parlamento e garantia certa de controle num país
parlamentarista. Nos últimos dois meses, o PSD, partido da oposição, tem
ensaiado uma nova revisão da Constituição, mas a proposta, no entanto,
tem tudo para não chegar sequer à Assembleia da República — o
Legislativo português — seja pela barreira governista imposta ou a uma
apontada falta de vontade dos próprios psdebistas. O ensaio do
PSD, desde que foi anunciado, vem enfrentando inúmeras críticas do
governo português. As propostas de mudança, mesmo que ainda mal
desenhadas, já são taxadas de radicais e extremistas. No final de julho,
quando a Comissão Nacional Política do PSD aprovou o anteprojeto de
lei, o próprio partido reconheceu que era uma proposta ousada e
ambiciosa. Embora os detalhes não sejam de todo conhecidos,
sabe-se que o partido propõe mudanças na educação e saúde públicas,
colocando em risco inclusive a gratuidade desses serviços. O governo
chegou a criticar o fim da progressividade dos impostos que teria sido
proposta pela oposição, mas esse fim foi desmentido pelo PSD. Conhece-se
também um pouco da perfumaria da proposta discutida dentro do grupo
político. A demissão por justa causa seria substituída por demissão por
razão atendível, que na prática seria a mesma coisa. Inicialmente,
o partido anunciou que as negociações internas terminariam em agosto
para, já em setembro, o projeto ser apresentado na Assembleia da
República. A imprensa portuguesa, no entanto, tem noticiado que as
mudanças sugeridas pelo PSD seriam moeda de troca nas negociações do
orçamento do país para o próximo ano. O PSD negou. O partido do governo,
o PS, também aproveitou para afirmar que não negocia dessa forma. Como
um projeto de revisão constitucional tem de ser aprovado por maioria
absoluta de dois terços dos parlamentares, atualmente só o PSD e o PS
são capazes de atualizar o texto constitucional. Isso porque, dos 230
deputados portugueses, 97 são do PS (partido do primeiro-ministro
português, José Sócrates) e 81 são do PSD. As 52 cadeiras restantes
estão distribuídas entre deputados de outros quatro partidos. Revisão constitucionalA
Constituição da República Portuguesa entrou em vigor em abril de 1976.
Uma das novidades que trouxe foi a possibilidade de ser revista por
projeto de lei, sem a necessidade de convocação de uma nova
constituinte. Em 2007, em entrevista à revista Consultor Jurídico,
o português J.J. Gomes Canotilho, um dos maiores nomes no país de
Direito Constitucional, ressaltou a importância das revisões. “A
Constituição precisa ser revista para manter a sua atualidade”, disse. Pelo
texto constitucional, essa revisão pode acontecer com um intervalo
mínimo de cinco anos, mas pode ser aprovada uma revisão extraordinária
por maioria de quatro quintos dos deputados portugueses. É deles, aliás,
a competência exclusiva para dar o pontapé inicial e final na revisão
constitucional. A proposta deve ser apresentada por um deputado e,
depois de aprovada por maioria absoluta de dois terços na Assembleia, é
promulgada pelo presidente, a quem compete apenas assinar. O presidente
da República não pode se recusar a promulgar uma revisão aprovada pelos
deputados. Ao longo dos seus mais de 30 anos de vida, a
Constituição de Portugal já foi revista sete vezes, possibilitando que o
país, sob o mesmo guarda-chuva, se adaptasse de uma tímida inclinação
inicial para o socialismo à integração na União Europeia, à globalização
do mundo e ao capitalismo, puro e simples. Ao longo das revisões,
Portugal foi absorvendo tratados internacionais e firmando a sua
abertura econômica. A última revisão aconteceu em 2005, sem mudanças
profundas.
http://www.conjur.com.br/2010-ago-30/partido-oposicao-revisao-constituicao-portuguesa
31/08/2010 |