O Brasil está
passando pelo processo de adoção das normas internacionais de
contabilidade, conhecidas como International Financial Reporting
Standards (IFRS) e, para tanto, foi preciso uma significativa mudança no
direito contábil brasileiro, promovida, principalmente, pelas Leis
11.638, de 2007, e 11.941, de 2009. A regulamentação desse processo foi
atribuída ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC, que tem emitido
pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações, aprovados por
vários órgãos que conferem força normativa a eles, tais como a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Federal de Contabilidade
(CFC). O IFRS 1 - convertido no Pronunciamento Técnico CPC 37 - trata da
adoção inicial das normas internacionais de contabilidade, isto é, da
sua aplicação pela primeira vez pelas empresas; e, como direito
contábil, traz profundas alterações no direito mercantil, no direito
societário e no direito tributário.
Somente
com essa rápida apresentação, já foi possível notar que o impacto
jurídico do IFRS 1 (CPC 37) nas empresas é bastante amplo. No meio dessa
amplitude, porém, destaco dois pontos que merecem, se não mais, pelo
menos uma atenção mais imediata. Em primeiro lugar, trata-se da
observância compulsória das normas internacionais de contabilidade. Por
lei, toda e qualquer sociedade empresária é obrigada a manter um sistema
de contabilidade (artigo 1.179 do Código Civil). Com relação à
observância do padrão contábil internacional, surgiu a dúvida em razão
da Lei nº 11.638, de 2007, ser, em princípio, aplicável apenas às
sociedades anônimas (abertas ou fechadas) e às sociedades limitadas
consideradas de grande porte - faturamento anual superior a R$ 300
milhões ou ativos totais superior a R$ 240 milhões.
Ocorre
que a lei brasileira delegou a competência para editar normas contábeis
ao Conselho Federal de Contabilidade (CFC), por meio do Decreto-lei nº
9.295, de 1956, competência essa que foi confirmada e fortalecida pela
recente Lei nº 12.249, de 2010. O Conselho Federal de Contabilidade tem
aprovado todas as manifestações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis
(CPC); especificamente ao CPC 37 - Adoção Inicial das Normas
Internacionais de Contabilidade. Ele foi aprovado pela Resolução CFC nº
1.253, de 2009 (NBC T 19.39), devendo ser seguido por todos os
profissionais habilitados para atuar com registros contábeis
(reconhecimento, mensuração e divulgação das demonstrações contábeis),
devidamente inscritos no órgão de classe. Portanto, todas as sociedades
empresárias brasileiras devem adotar as normas internacionais de
contabilidade (IFRS/CPC), independentemente de seu tipo societário
(sociedade anônima ou sociedade limitada), seu porte (grande, média ou
pequena) ou sua opção pela tributação do imposto sobre a renda (lucro
real ou lucro presumido).
O
segundo ponto diz respeito à possibilidade de reavaliação de ativos,
principalmente depois da revogação, pela Lei nº 11.638, de 2007, da
conta contábil nomeada de "reserva de reavaliação", mas prevista pelo
IFRS 1 (CPC 37) por meio do conceito do "custo atribuído" (deemed cost).
Além de não haver expressa vedação legal para a reavaliação de ativos,
pela prática utilizada até então no Brasil, devido ao cálculo de
depreciação, era possível que os bens registrados no ativo imobilizado
(ou como propriedade para investimento) chegassem a ter custo contábil
zero, quando o tempo de vida útil estimado se completava. Essa situação
não é consistência com a realidade econômica das empresas, pois esses
bens a custo zero continuam com valor de mercado, ainda que residual, e
gerando caixa (produzindo receita). A reavaliação, portanto, com base no
"custo atribuído" é uma forma de recuperar o valor econômico da empresa
expresso nas demonstrações contábeis.
Em
conclusão, considerando que se trata de um ramo do direito não sujeito
exclusivamente à legalidade, cabe às normas infralegais regulamentar o
direito contábil, o que tem sido feito pelas Resoluções do CFC e
Instruções da CVM. Essa liberdade de regulamentação, por outro lado, não
é absoluta, devendo ser respeitados os dispositivos legais que venham a
limitar ou obrigar determinada opção de política contábil. Por fim, por
estar, esta sim, sujeita exclusivamente à legalidade, a repercussão
tributária dessas mudanças deve estar expressamente previstas em lei,
sendo que, por ora, vige o Regime Tributário de Transição (RTT).
Edison
Carlos Fernandes é sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados, professor
da Universidade Mackenzie, da FGV (GVLaw e GVPec) e da FIPECAFI.
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