A 1ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou necessária a reavaliação
de precatórios oferecidos por empresas como garantia em ações de
cobrança do Fisco. A decisão é resultado do julgamento de um recurso do
Estado do Rio Grande do Sul contra uma empresa de transportes. A
companhia ofereceu como garantia, em uma execução fiscal relativa a
débitos do ICMS, precatórios adquiridos de terceiros com deságio. Os
ministros do STJ decidiram, por três votos a um, que o precatório não
poderia ser aceito pelo valor de face, mas ser avaliado de acordo com
seu atual valor de mercado.
Na avaliação de tributaristas, o entendimento pode
esfriar o mercado de precatórios que, desde a Emenda Constitucional nº
62 - a chamada Emenda dos Precatórios -, de 2009, está aquecido. A
partir da emenda, as Fazendas Públicas foram obrigadas a aceitar os
precatórios como pagamento de dívidas dos contribuintes, numa espécie de
ajuste de contas entre os entes públicos e as empresas. O uso dos
precatórios para garantir execuções fiscais já foi aceito pelo STJ. No
entanto, alguns Estados argumentam que os precatórios foram adquiridos
pelas empresas no mercado com um grande deságio e que, portanto, não
seria justo que o Judiciário aceitasse a garantia com o seu valor
original.
No caso
julgado pela 1ª Turma do STJ, os precatórios oferecidos ao Estado do Rio
Grande do Sul pela transportadora se referiam a créditos relativos ao
Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande Sul. O Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou ser possível a penhora
dos precatórios, que passaram a garantir a execução fiscal, pelo valor
de face. O Estado recorreu ao STJ, que reverteu a decisão.
De acordo com o ministro
Teori Zavascki, voto vencedor no julgamento, apesar de os precatórios
serem títulos executivos judiciais líquidos, certos e exigíveis, é
notória e recorrente a demora do pagamento pelos Estados devedores, ao
ponto de não se ter certeza de que o crédito nele estampado será
realmente realizado a tempo. Segundo o voto, dessa forma, como acontece
com qualquer outro bem oferecido à garantia da execução, o crédito deve
ser avaliado. A Corte determinou o retorno do processo à primeira
instância, para que o cálculo seja feito. Apenas o ministro Luiz Fux
discordou do voto do ministro Teori Zavascki.
Dados apresentados pela
Procuradoria-Geral do Rio Grande do Sul no processo, demonstram que o
Estado possui uma dívida ativa de R$ 16 bilhões, a maior parte referente
a créditos do ICMS, e tem um passivo em precatórios de aproximadamente
R$ 4 bilhões. A PGE-RS reconhece, em sua defesa, o "nefasto atraso nos
pagamentos de precatórios", mas questiona se a solução para o problema
seria deixar de arrecadar imposto até quitar todos débitos em
precatórios.
De acordo
com a defesa da procuradoria, a carga tributária elevada do país não
deve ser justificativa para o não pagamento do imposto devido. E que o
empresário mais esperto não tem o direito de quitar sua dívida com cerca
20% do valor devido. "Se execução fiscal se transformou em local para
devedor pagar seus impostos, com desconto de 80%, mediante a exploração
de viúvas, é a consagração do 'jeitinho'", diz a defesa da PGE. Segundo
Marcos Antônio Miola, procurador do Estado do Rio Grande do Sul, a
decisão do STJ é emblemática e influenciará os casos em tramitação.
"Permitir que o precatório seja aceito pelo valor de face seria uma
concorrência desleal com a empresa que paga os impostos em dia", afirma
Miola.
Na opinião de
advogados, a decisão deve inibir o mercado de precatórios. "Se o
posicionamento do STJ for adotado pela Justiça, deve freiar a compra de
precatórios de terceiros para oferecimento de garantia em execução
fiscal", diz a advogada Marina Scuccuglia, da Advocacia Lunardelli. Para
ela, a reavaliação do valor, faz com que a compra deixe de ser
interessante para o contribuinte. "A decisão é uma imoralidade pública",
diz o advogado Nelson Lacerda, do Lacerda & Lacerda Advogados, que
atua na venda desses títulos. De acordo com ele, com a demora do Estado
em quitar as dívidas, a única alternativa dos servidores públicos, maior
parte dos credores, é vender os precatórios com deságio para as
empresas. "O mercado tem mantido essas pessoas", afirma Lacerda. Ele diz
que desde a edição da Emenda 62, as vendas triplicaram, e têm
movimentado R$ 10,5 bilhões por mês.
O advogado Flávio Brando, presidente da comissão de
precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da
comissão de dívida pública da OAB de São Paulo, avalia que a decisão do
STJ viola os princípios do direito e da economia, e o próprio bom senso.
"Avaliar o valor monetário de uma ordem judicial pela qualidade do
devedor público é coroar a procrastinação, a litigância de má-fé e
permitir que Poder Público se beneficie da própria torpeza " , diz
Brando. Ele acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve reverter o
entendimento do STJ.
Luiza
de Carvalho, de Brasília
12/08/2010