Venda de imóvel pode ter tributação injusta no IRQualquer
pessoa física que vender um imóvel que possua há vários anos pode ser
vítima de uma tributação injusta no Imposto de Renda. A legislação
vigente determina a incidência do tributo sobre os chamados ganhos de
capital, mas não autoriza a correção monetária do valor de aquisição,
fazendo com que em muitas situações a pessoa física seja obrigada a
recolher imposto sobre lucro inexistente. Vejam-se, a propósito,
as normas consolidadas no decreto 3.000/99, cujos artigos 117 a 142
enumeram as diversas hipóteses onde tal tributação pode incidir. O
artigo 131, repetindo o que foi ordenado pela Lei 9.249/95, deixa claro
que não se fará qualquer atualização monetária no custo dos bens. Diz
o texto do regulamento: “Artigo 131. Não será atribuída qualquer
atualização monetária ao custo dos bens e direitos adquiridos após 31 de
dezembro de 1995 (Lei 9.249, de 1995, artigo 17, inciso II)”. Em
1996 a inflação foi de 9,3%, caindo no ano seguinte para 7,7%, depois
1,7%, subiu para 19,9% em 1999, caindo depois dois anos seguidos, subiu
em 2002 para 12,5% e de lá para cá vem caindo, com alguns soluços de vez
em quando. Inflação que se mede e que soluça não foi extinta. Por
meio do site do Banco Central fizemos a correção do valor de R$ 100 mil
em janeiro de 1996 pelo IGPM e encontramos em julho de 2010 o valor
atualizado de R$ 345.657,75. Isso indica que se uma pessoa tinha
imóvel de R$ 100 mil em sua declaração de imposto de renda em 31 de
dezembro de 1995 e o vender hoje por R$ 340 mil pode vir a pagar R$ 36
mil de Imposto de Renda (15% sobre R$ 240 mil), caso não seja o único
imóvel que possua. Mas na verdade, nada deveria pagar, se o valor
original fosse corrigido, como, aliás, deve ser para que a norma
constitucional seja obedecida. Ora, a correção monetária
representa, pura e simplesmente, a desvalorização da moeda nacional e o
valor corrigido possui o mesmo poder aquisitivo do valor original na
época da aquisição. Não houve, portanto, qualquer lucro ou ganho de
capital que possa ser objeto de tributação. O fator gerador do
Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica,
mas não se pode equiparar ao lucro a parcela do valor que representa
apenas a variação nominal do poder aquisitivo da moeda nacional. A
legislação prevê determinados limites de isenção para os bens de
pequeno valor e também para a venda do único imóvel da pessoa física.
Esses valores também precisam ser atualizados, sem o que estará
ocorrendo tributação indevida. Ao não permitir a correção
monetária integral dos bens adquiridos, a legislação viabiliza a
incidência do tributo não sobre o ganho de capital, mas sobre o próprio
patrimônio. Trata-se, portanto, de uma tributação de característica
confiscatória, contrariando expressamente o que estabelece o artigo 150,
inciso IV da Constituição Federal. A Constituição proíbe tributo
com efeito confiscatório no citado artigo 150, inciso IV, mas é
exatamente isso que está acontecendo no caso das operações imobiliárias
realizadas por pessoas físicas quando não se permite a correção do valor
de aquisição. O argumento da Receita Federal, nessa questão, —
como de resto em outras situações similares — é curioso, por basear-se
numa suposta extinção da correção monetária. Esse instrumento econômico,
ainda que não esteja mais mencionado de forma explícita na legislação
do Imposto de Renda, vigora plenamente em nossa economia. O próprio
Fisco a utiliza para cobrança de tributos em atraso, incorporando-a à
chamada taxa Selic. Nos contratos públicos e privados, inclusive
licitações, existem cláusulas de reajuste baseado na variação do poder
aquisitivo da moeda nacional, inclusive adotando-se índices diversos. Financiamentos
bancários, compromissos de médio e longo prazo, programas de
investimentos com verbas públicas, enfim, praticamente em todas as
operações econômicas, costumam estar presentes normas destinadas a
manter íntegro o valor do pactuado, ante possíveis variações da moeda
nacional ou mesmo de outros indexadores. Não há, portanto, nenhuma
razão para que, na legislação do imposto de renda, o valor dos bens
constantes da declaração do Imposto de Renda permaneçam sem atualização e
menos ainda para que não sejam corrigidos quando de eventual alienação. Se
o fato gerador do imposto é a aquisição da disponibilidade econômica ou
jurídica, o Código Tributário Nacional no artigo 43 inciso I determina
que tal aquisição só é tributável se ela decorrer de renda, entendida
como produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Já
no inciso II do mesmo artigo 43, o CTN também considera como tributável
a disponibilidade que resulte de proventos de qualquer natureza, como
tal entendidos os demais acréscimos patrimoniais. A doutrina é
pacífica no sentido de que o acréscimo patrimonial é elemento essencial
para caracterizar o fato gerador do Imposto de Renda. Em parecer
publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, Volume 137, o
professor Ives Gandra da Silva Martins preleciona que: “Ao determinar o
legislador que os proventos são acréscimos não compreendidos na renda,
definiu que, tanto para o inciso I, quanto para o inciso II do artigo
43, o acréscimo patrimonial é que determina o que seja aquisição de
disponibilidade econômica ou jurídica e provoca a concretização da
hipótese de imposição do imposto previsto no inciso III do artigo 153 da
Constituição Federal. Sem acréscimo patrimonial não há, pela
Constituição e pela lei complementar, — que define o fato gerador do
imposto sobre a renda — renda ou provento tributável.” Ora, se o
contribuinte vendeu um imóvel adquirido há vários anos, só pode ter se
beneficiado com algum acréscimo patrimonial se a venda foi feita por um
valor superior ao valor monetariamente corrigido. A variação do valor
que apenas esteja a refletir a desvalorização da moeda, a inflação, em
nada altera o valor de aquisição e, assim, o valor corrigido não é senão
o mesmo valor da aquisição, tão somente representado por uma expressão
numérica modificada pelo fenômeno econômico da inflação. A
variação do bem vendido que decorra do fenômeno inflacionário não
representa qualquer renda, porque não decorre da realização de trabalho,
nem tampouco de resultado real do capital aplicado e menos ainda pode
representar um acréscimo patrimonial, já que não é nem de longe uma
espécie de provento. Provento significa proveito, lucro,
rendimento, resultado. Diz-se ainda do lucro ou ganho obtido em um
negócio. Claro está que se alguém vende um bem por valor que apenas foi
monetariamente atualizado por causa da inflação, não teve rendimento nem
provento, nada lucrou, não teve acréscimo patrimonial algum e,
portanto, nada tem a pagar a título de Imposto de Renda. Quem
eventualmente tenha pago imposto nessas condições, ou seja, sem que o
valor de aquisição do bem tenha sido corrigido monetariamente, tem
direito a pleitear a restituição do que indevidamente recolheu. Ao
não corrigir o valor de aquisição, a legislação do Imposto de Renda
institui tributo com efeito confiscatório, o que a Carta Magna não
permite. Por isso mesmo, é razoável supor que o Poder Judiciário, caso
seja acionado, possa reconhecer a inadequação da norma ordinária ao
texto da Lei Maior, assim impedindo que o contribuinte pessoa física
venha a pagar tributo quando não ocorreu qualquer ganho de capital na
operação que realizou.
http://www.conjur.com.br/2010-ago-16/venda-imovel-tributacao-injusta-imposto-renda
16/08/2010 |