Eram
as solenidades oficiais comemorativas do dia 11 de agosto.
Sabia-se
que a ideia subjacente era de dar um fim nos Centros Acadêmicos.
Com
astúcia, rapidamente os estudantes franciscanos cumpriram a lei,
instituindo o Diretório Acadêmico como representante oficial, mas
mantiveram integralmente - e inabalado - o Centro Acadêmico XI de Agôsto
como legítimo representante da mocidade acadêmica.
Mais
atual do que nunca, o discurso, proferido há 44 anos, ainda é
instrumento vivo para acender a centelha nos estudantes de ontem e de
hoje em prol do aperfeiçoamento das instituições brasileiras.
Discurso
do dia XI de agosto – 1966
Estamos,
neste momento,aqui reunidos, alunos e professores, para comemorar a
data do plantio de uma semente que vingou ; a semente da árvore da
Justiça, que tem por raízes o Direito.
E
foi este generoso chão do Largo de São Francisco, juntamente com o de
Recife, escolhido para abrigar em seu seio o bem mais precioso da
nacionalidade.
Aqui
se construiu um templo ao Direito, que desde a sua fundação tem
correspondido às expectativas, pois se tornou um altar de gloriosas
tradições, dentre as quais a de sempre se colocar um passo adiante em
relação ao momento histórico, no que tange a defesa da liberdade, da
justiça e dos direitos fundamentais do homem e do cidadão.
É
muito importante frisar que essa tradição é apanágio da Escola,
entendida como um todo harmônico, formado pela comunhão entre mestres e
alunos.
Esta
Faculdade sempre abrigou excelente alunos e isto porque, desde a sua
fundação,sempre teve excelentes mestres. – Aqui sempre se encontrou,
como agora se encontra, sem dúvida dúvida alguma, a nata da cultura
jurídica brasileira e é exatamente isso que explica o fato de ser o
corpo docente formado por antigos alunos.
A
árvore da Justiça aqui plantada tem periodicamente apresentada
belíssimas florações :
Floresceu
ela na luta pela abolição da escravatura, para, com sua beleza, apagar a
mancha negra que toldava o manto imaculável da brasilidade.
Floresceu
novamente ao colocar o Brasil na senda da evolução histórica, com a
proclamação da República.
Em
outra floração, a campanha civilista, pode ela abrigar com sua sombra o
gênio de Rui Barbosa, figura exponencial dentre os muitos grandes homens
que por aqui passaram.
Na
epopéia paulista de 1932 ela se cobriu de vermelho, para simbolizar o
amor apaixonado à liberdade daqueles que deixaram a folha dobrada e por
ela foram morrer.
Mas,
nós o dissemos, as florações não são permanentes ; são periódicas.
Entre duas primaveras há sempre um inverno e nós nos encontramos
atualmente em tempo de inverno.
Todavia,
o que é o inverno senão o período da primavera que necessariamente há
de se seguir ?
O
momento histórico, de flagrante desajustamento, é na verdade a incubação
de uma nova ordem.
Atravessa
o Brasil uma fase de Revolução, entendida não como golpe de estado ou
movimento armado e sim como processo histórico assinalado por
modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas e concentradas
num período histórico relativamente curto, resultando em transformações
estruturais da sociedade.
Da
mesma forma atravessa o mundo uma fase de rápida evolução no sentido da
formação de uma sociedade universal.
Já
não mais há lugar para nacionalismos xenofóbicos e autárquicos. Também
já se demonstrou que é absolutamente falsa a opção entre dois credos
dogmáticos.
O
mundo de amanhã será caracterizada pela libertação das energias diversas
das nações livres e dos homens livres, - será, acima de tudo, um mundo
de livres escolhas, no qual uma grande diversidade de nações, cada qual
fiel às suas próprias tradições e ao seu próprio espírito, aprenderão a
respeitar as regras básicas da convivência humana.
Estamos,
portanto, no limiar de uma nova ordem, mas, no âmbito das relações
humanas, não é possível haver ordem se não houver o Direito.
O
progresso tecnológico por si só não poder trazer felicidade ao homem e
perderá qualquer sentido se não for acompanhado e disciplinado pela
evolução da ordem jurídica.
É
ernome a responsabilidade desta geração acadêmica, pois dela se espera,
pelo menos, o início da construção do arcabouço jurídico ajustável às
novas estruturas.
Sabemos
que é preciso derrubar mitos e preconceitos e sabemos também que não há
panacéias ou fórmulas mágicas nem salvadores messiânicos.
Temos
consciência de que somente o árduo trabalho de pesquisa, estudo,
raciocínio e elaboração de muitos homens, isoladamente e em conjunto,
poderão fazer do Brasil uma pátria antecipada, de homens livres e
cultos, governados por seus legítimos representantes escolhidos de
maneira verdadeiramente democrática, desfrutando das vantagens do
desenvolvimento econômico, vivendo num ambiente de absoluto respeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana, como cidadãos de um estado
soberano fraternalmente integrado na comunidade mundial.
A
semente plantada em 11 de agosto de 1827 ainda não floresceu nesta
geração acadêmica, mas, se este chão do Largo de São Francisco ainda é o
mesmo chão livre e generoso que recebeu a semente, se esta Escola é
ainda um templo ao Direito, se ainda dentre suas muitas tradições,
conserva a de estar na vanguarda da evolução histórica, se seus mestres
ainda são os expoentes da cultura jurídica nacional, não poderão os
alunos se furtarem à fatalidade de seu destino.
Eis
aí a garantia de que a árvore novamente florescerá. E, nessa nova
floração, oferecerá ela a todos os povos do universo a mais bela de suas
flores a PAZ fundada na JUSTIÇA.
Arcadas
11/8/66
Salão
nobre
Adilson
Abreu Dallari
Presidente
do Diretório Acadêmico