O mercado de consórcio para aquisição de
bens móveis e imóveis registra franco crescimento no Brasil. Segundo a
Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (Abac), no
primeiro semestre do ano, o ramo imobiliário contabilizou
aproximadamente 600 mil consorciados ativos. O número de novas cotas
cresceu 16,2% em comparação ao mesmo período do ano passado, superando
as expectativas do setor. Mas nem sempre a participação em consórcio
termina na aquisição da casa própria ou do carro novo. E quando não há
acordo para a anulação do negócio, o destino é um só: o Poder
Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem vasta
jurisprudência neste tema. Confira.
Devolução de
parcelasNo consórcio, modalidade de aquisição de bens,
quando o membro desiste do grupo, ele tem direito à restituição das
parcelas pagas, sob pena de se admitir o enriquecimento ilícito dos
demais participantes e da administradora do negócio. Porém, o STJ firmou
o entendimento de que a devolução não pode ser deferida de forma
imediata.
O fundamento dessa jurisprudência está no julgamento de
um recurso especial em que o relator, ministro Ruy Rosado de Aguiar
(aposentado), ponderou que “quem ingressa em negócio dessa natureza e
dele se retira por disposição própria não pode ter mais direitos do que o
último contemplado com o bem, ao término do prazo previsto para o
grupo”. Isso porque a desistência é sempre um incidente negativo para o
grupo, que deve se recompor com transferência de cota, extensão do prazo
ou aumento no valor das prestações. Dessa forma, deve-se impor ao
desistente o mesmo ônus de quem cumpre regularmente com as obrigações e
aguarda a última distribuição do bem.
Assim, quem desiste de
consórcio tem direito ao reembolso das parcelas pagas, mas apenas 30
dias após o encerramento do grupo, considerando a data prevista no
contrato para entrega do último bem. É a partir desse momento que passam
a incidir os juros moratórios, que são devidos mesmo nos contratos
firmados na vigência da Portaria n. 190/1989 (revogada), que vedava o
pagamento de juros e correção monetária.
Taxa de
Administração
A taxa de administração, indicada no
contrato, é a remuneração da administradora pelos serviços prestados na
formação, organização e administração do grupo até o seu encerramento.
As administradoras de consórcios possuem total liberdade para fixar sua
taxa de administração, nos termos do artigo 33 da Lei n. 8.177/1991 e da
Circular n. 2.766/1997 do Banco Central. Esse é o entendimento firmado
pela Corte Especial do STJ, no julgamento do EREsp n. 927.379.
A
decisão da Corte Especial afastou a aplicação, nos contratos de
consórcio, do artigo 42 do Decreto n. 70.951/1972, que estabelece
limites para taxas de administração no percentual de 12% do valor do bem
com preço de até 50 salários-mínimos e 10% para bens acima desse valor.
A Lei n. 8.177/1991 atribuiu a competência para regulamentar e
fiscalizar os consórcios ao Banco Central, que, por meio de circular,
deixou ao arbítrio das administradoras o estabelecimento de sua taxa de
administração.
Legitimidade passiva e ativa
Quando
o consorciado desiste ou é excluído de um grupo de consórcio e vai à
Justiça cobrar a devolução das parcelas pagas, muitas administradoras
tentam se eximir da ação, alegando ilegitimidade. Argumentam que, por
serem meras mandatárias de grupo de consórcio, elas não seriam parte
legítima para figurar na demanda.
O STJ já firmou o entendimento
de que as administradoras têm legitimidade para figurar no polo passivo
de ações relativas à devolução de quantia paga pelo consorciado
desistente. Nesse caso, aplica-se a regra do artigo 12, inciso VII, do
Código de Processo Civil.
Outra questão consolidada na
jurisprudência do STJ é quanto à legitimidade do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec) para propor ação coletiva em defesa dos
direitos dos consorciados.
A Corte já decidiu que o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) incide nos negócios jurídicos celebrados
entre as empresas responsáveis pelo consórcio e os consorciados. O
artigo 82, inciso IV, do CDC estabelece que estão legitimadas para
propor ação coletiva as associações legalmente constituídas há pelo
menos um ano e que incluam entre os seus fins institucionais a defesa
dos interesses e direitos protegidos pelo CDC. O Idec se enquadra nesses
requisitos.
Havendo relação de consumo e legitimidade do Idec
para propor ação, resta saber se o direito dos consorciados são
caracterizados como direitos individuais homogêneos. Os ministros do STJ
entendem que sim, pois decorrem de origem comum, que, no caso julgado, é
a nulidade de cláusula contratual.
Eleição de foro
De
acordo com a jurisprudência do STJ, é abusiva cláusula de eleição de
foro nos contratos de adesão a grupos de consórcios. Nos casos que
envolvem interesses dos consumidores, o foro competente para
processamento da ação de exibição de documento para instrução revisional
de contrato de consórcio não é eleito no instrumento, devendo
prevalecer o do domicílio do consumidor hipossuficiente.
Uma
empresa administradora de consórcio recorreu ao STJ, alegando que a
cláusula de eleição de foro não seria abusiva porque os consumidores,
além de residirem em diversas localidades, teriam conhecimento
suficiente para entender o que estão contratando. No entanto, o STJ
aplicou o que determina o CDC, que estabelece a competência do foro de
domicilio do consumidor, com a finalidade de facilitar o exercício de
sua defesa.
Inadimplência após posse do bem
Quem
participa de um consórcio, recebe e usufrui do bem por longo período, e
deixa de pagar as prestações, não tem os mesmos direitos de quem
desiste ou é excluído do consórcio antes de receber o bem. Foi o que
aconteceu com um consumidor que aderiu a um grupo de consórcio para
aquisição de automóvel. Ele foi contemplado logo no início do plano e
ficou com o automóvel alienado fiduciariamente por quase três anos,
tendo pago apenas 22 das 60 prestações.
A administradora ajuizou
ação de cobrança e conseguiu retomar o veículo, que foi vendido a
terceiros por valor inferior ao débito do consorciado. A empresa foi
novamente à Justiça para obter a diferença. Na contestação, o consumidor
ofereceu reconvenção, pedindo a devolução das parcelas pagas. O pedido
da empresa foi atendido e o do consumidor negado.
No recurso ao
STJ, o consumidor alegou ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.
Argumentou que a retomada ou devolução do bem não afeta a
obrigatoriedade de devolução das prestações pagas. A relatora, ministra
Nancy Andrighi, afirmou no voto que haveria indisfarçável desequilíbrio
se fosse dado ao consumidor o direito de restituição integral do valor
pago após quase três anos de uso de um bem que sofre forte depreciação
com o tempo.
Nesse caso, os ministros do STJ entenderam que o
tema da alienação fiduciária se sobrepõe ao tema do consórcio. Como o
consumidor já tinha usufruído do bem, as regras incidentes, no caso de
posterior inadimplemento, são as do Decreto-Lei n. 911/1969, que trata
de alienação fiduciária. O recurso do consumidor foi negado.