No início de junho, surgiu
nova e grande polêmica na arbitragem em razão de decisão que acatou
mandado de segurança contra ato do tribunal arbitral que atua no caso
CCI n. 15.283/JRF. O tribunal arbitral no referido caso havia negado a
produção de prova pericial requerida por uma das partes. A decisão
proferida no mandado de segurança determinou a realização de prova
pericial de engenharia. A questão toma contornos especiais por envolver a
administração pública, pois o mandado de segurança foi interposto pela
Companhia do Metropolitano de São Paulo, bem como por tratar da
conveniência e oportunidade da prova que tem como destinatário o próprio
árbitro e não o juiz estatal. Não andou bem o Judiciário paulista na referida decisão.
A regra de ouro da arbitragem - seu princípio básico - é que as partes
livremente optam por excluir a apreciação do Judiciário sobre os temas
relativos ao contrato que contém cláusula arbitral. É o chamado efeito
negativo da cláusula compromissória. Não foi correta, pois, a
interferência no caso em análise. Isto não implica dizer que a arbitragem é terra de
ninguém e que não há controle do Judiciário. Há sim, mas o controle deve
ser exercido no momento previsto na própria Lei de Arbitragem, ou seja,
em ação de anulação de sentença arbitral, depois do seu proferimento.
Jamais deve haver interferência antes do proferimento da sentença
arbitral, sob pena de macular a base sobre a qual o sistema arbitral é
construído - a não intervenção do Judiciário. Se a Justiça brasileira
passar a intervir na atividade do árbitro, a arbitragem estará condenada
ao descrédito, com prejuízo inestimável ao cidadão e às empresas
brasileiras. Ainda que
desnecessário fazer referência à Lei do Mandado de Segurança para chegar
à conclusão acima, vale destacar que sua atual redação dispõe que se
denega o MS nos casos previstos no artigo 267 do Código de Processo
Civil, conforme redação do artigo 6º , parágrafo 5º. Referido artigo
267, VII determina que o juiz deve extinguir o processo, sem adentrar ao
mérito, quando existir cláusula ou compromisso arbitral. Trata-se da
positivação do efeito negativo da cláusula compromissória na própria lei
do Mandado de Segurança. Segundo a Lei de Arbitragem, depois de proferida a
sentença arbitral, poderão as partes buscar o controle no Judiciário
para resguardar a higidez do procedimento arbitral (respeito ao
contraditório e igualdade das partes) e a vontade das partes declarada
na cláusula compromissória. O Judiciário, contudo, não pode rever o
mérito. É importante
que sempre tenhamos em mente que a correta aplicação da Lei de
Arbitragem pelo Judiciário brasileiro é elemento fundamental para o
sucesso desse método de solução de disputas. Nos contratos
internacionais, por exemplo, quanto mais e melhor o nosso Judiciário
entender sobre o tema, mais fácil será para uma empresa brasileira
negociar cláusulas arbitrais escolhendo o Brasil como sede ou mesmo
escolhendo a lei brasileira como norma de fundo. Ademais, a cláusula arbitral
encerra conteúdo econômico. Respeitada a Lei de Arbitragem pelo
Judiciário brasileiro, haverá redução do custo Brasil e do preço do
contrato em favor da empresa brasileira. A decisão veio em um momento
em que o mundo arbitral está de olhos e ouvidos atentos ao que acontece
no Brasil. No fim de maio, o Brasil sediou o maior evento mundial de
arbitragem, o Congresso do ICCA - International Council for Commercial
Arbitration. A América do Sul jamais havia sediado tal evento e
comemorou-se um sucesso retumbante. Com mais de 900 pessoas, 600 delas
estrangeiras, o Brasil demonstrou o já grande desenvolvimento da
arbitragem na nossa comunidade nacional. Em pouco menos que 14 anos de
aplicação da Lei de Arbitragem, já temos uma prática de fazer inveja a
países que usam o método há mais de 50 ou cem anos. O estágio alcançado no Brasil
muito se deve à sua intensa atividade econômica, por certo, e mais
especialmente à maturidade com que o Judiciário brasileiro, com destaque
para o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça
(STJ), vêm tratando de temas relacionados à arbitragem, como constatado
pela pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar) em
conjunto com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pois bem, durante o evento
do ICCA e nos dias que se seguiram, nós brasileiros pudemos acompanhar,
orgulhosos, a repercussão imediata e positiva do Brasil na imprensa
internacional, como no "Global Arbitration Review" (GAR), revista
eletrônica que circula diariamente pela comunidade arbitral
international. O brilho foi ofuscado com a decisão ocorrida no início de
junho. Felizmente, no
dia 22 de junho, foi deferida uma liminar pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP) suspendendo os efeitos da decisão de primeira instância
(Agravo de Instrumento 990.10.284191-0). As comunidades arbitrais
nacional e internacional esperam ansiosas que o Tribunal de Justiça de
São Paulo reveja a decisão no julgamento do agravo. E que ninguém se
iluda: este caso será acompanhado pari passu por centenas de advogados
no Brasil e mundo afora. Adriana Braghetta é presidente do Comitê Brasileiro
de Arbitragem (CBAr), sócia de LO Baptista Advogados e mestre e doutora
pela USP.
http://www.valoronline.com.br/?impresso/legislacao_/197/6407850/questoes-polemicas-na-arbitragem
30/07/2010 |