Em uma decisão
inédita, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o julgamento no
Brasil de uma ação de cobrança de prejuízos financeiros em investimentos
internacionais realizados pelo Santander do Brasil
em Miami. A viúva do médico Munir Saab, Helaine Rosa Saab, e seus quatro
filhos entraram com processo contra o banco espanhol, que aplicou à
revelia todos os recursos do investidor no fundo Optimal, gerido pelo
megainvestidor Bernard Madoff.
O fundo revelou-se uma pirâmide financeira, assim como
todos os demais criados por Madoff, causando prejuízos de mais de US$ 50
bilhões a milhares de investidores em todo o mundo, inclusive no
Brasil. Madoff foi condenado no ano passado a 150 anos de prisão, mas
pouco do dinheiro foi recuperado.
Em documento obtido pelo Valor, o processo
informa que Munir Saab, falecido em 2004, foi procurado em janeiro de
2002 pelos gerentes do banco Santander em Curitiba, onde morava, para
fazer uma aplicação conservadora em fundos americanos com foco em ações
dos Estados Unidos incluídas no índice Standard & Poor's.
O argumento dos gerentes do
Santander àquela época, segundo a família, era de que o Brasil ainda
estava sob forte efeito de instabilidade financeira, com grandes
temores de crise cambial, por conta do chamado "risco Lula", referência
ao então candidato à Presidência da República.
Aposentado, Saab decidiu, sob
o argumento de que os recursos, um total de US$ 647.555 (oriundos de
uma poupança de R$ 300 mil amealhada durante sua vida e uma herança
recebida de parentes libaneses depositada nos EUA, mas comprovada em
Imposto de Renda ano base 2002), seriam aplicados em fundos americanos
com perfil conservador, de acordo com a proposta dos gerentes do
Santander de Curitiba, alega a família.
No fim de 2007, três anos após a morte do aposentado, a
família Saab decidiu transferir o dinheiro para o Brasil, considerando a
estabilidade da economia nacional. Mas, até o início de 2009, a família
disse que encontrou forte resistência dos gerentes do banco em fornecer
extratos das aplicações e efetuar o resgate dos investimentos.
De acordo com o processo
obtido pelo Valor, a falta de comunicação entre a família Saab e o
Santander do Brasil começou no fim de 2007, quando os investidores
encontraram a primeira resistência dos gerentes do banco em resgatar o
dinheiro. Somente em junho de 2008, alegam a viúva e os herdeiros, eles
conseguiram convencer o banco a fazer o resgate, mas não receberam os
demonstrativos de investimentos.
Em 25 de setembro de 2008, já com a crise financeira
internacional deflagrada, a família diz ter conseguido a ordem de venda
das cotas do fundo. Mas o resgate, alegam na ação, não foi feito nesse
período e as informações do banco eram sempre desencontradas. Segundo o
processo, um extrato só foi chegar às mãos dos Saab em fevereiro de
2009, referente ao mês anterior, no qual constava que, de um saldo total
de US$ 647.555 investido em 2002, o valor para resgate estava em US$
140.995. No entanto, esses recursos estavam retidos por conta das
transações fraudulentas de Madoff.
O processo, representado pelo escritório de advocacia
de Ricardo Portugal Gouvêa, argumenta que "o fato de a instituição
financeira manter sedes, filiais ou sucursais em vários países não
configura se tratar de pessoas jurídicas diversas que, inclusive, são
parcerias e coligadas, sendo assim responsáveis solidárias por todos os
produtos e serviços oferecidos aos consumidores". Ou seja, o Santander
do Brasil tem legitimidade passiva para responder por sua matriz, mesmo
sendo estrangeira, até porque a agência do banco que investiu os
recursos é domiciliada no país.
Embora não tenha julgado o mérito do processo e ainda
caber recurso a respeito do tema relativo à competência, a decisão abre
jurisprudência para que outros casos de investidores brasileiros que
estão com processo em Miami passem a ser julgados também no país. A
decisão também está respaldada no Código de Defesa do Consumidor
Brasileiro, considerado referência internacional.
Nos últimos meses, o
Santander Brasil conseguiu fechar alguns acordos, nenhum muito favorável
ao investidor brasileiro.
O Valor procurou o Santander no Brasil, mas o
banco, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não
comentaria assuntos em discussão na Justiça.
Por
Mônica Scaramuzzo, de São Paulo, em 21.07.2010