Muito se tem discutido a
respeito da posição normativa dos tratados firmados pelo Brasil,
especialmente aqueles que versam em seu objeto matéria tributária.
Justamente por conta desse debate é de grande relevância por em destaque
a orientação acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento
do recurso extraordinário nº 229.096/RS, de 2007. Até esse julgamento pode-se
dizer que a posição do referido tribunal constitucional mostrava-se
bastante oscilante. Servem de exemplo os precedentes firmados nas
apelações cíveis nº 7.872 de 1943, nº 9.583 de 1950 e nº 9.587 de
1951, no recurso extraordinário nº 80.004/SE de 1977, na ação direta de
inconstitucionalidade nº 1.480-3/DF de 1997 e, também, no recurso
extraordinário nº 466.343/SP de 2008. É importante que se diga que em nenhum desses
precedentes o tema central foi o tratado internacional tributário, o que
torna aquele primeiro recurso extraordinário um marco sobre o assunto,
especialmente se considerarmos o fato de que foi analisado pela
composição plenária do tribunal e sob a perspectiva constitucional
(artigo 5º , parágrafo 2º) e do artigo 98 do Código Tributário Nacional
(CTN). Pois bem, nesse
julgamento a suprema Corte brasileira firmou a orientação de que o
tratado celebrado com apoio nesse dispositivo do Código Tributário
Nacional assume a função de lei complementar nacional que, dessa forma,
não se assemelha e tampouco se identifica com lei editada pela União
Federal. Isso quer
dizer que nesse julgado é adotada a posição doutrinária defendida por
Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba, de acordo com a qual o Estado
federal brasileiro configura uma quarta esfera jurídica abrangente das
três esferas parciais consistentes na União Federal, Estados e
municípios. Sendo
assim, essa quarta esfera jurídica dá origem a um sistema normativo
inconfundível com aqueles parciais, detentor igualmente de poderes para
editar normas, modificá-las ou mesmo revogá-las. Diferentemente do que serviu
de base para a decisão contida, por exemplo, no acórdão nº 104-20.104
(recurso nº 136.694), da 4ª Câmara do extinto 1º Conselho de
Contribuintes, essa posição do Supremo Tribunal Federal permite concluir
que o regime de inserção e retirada de normas é diverso em cada um
desses quatro sistemas, de modo que se mostra impertinente argumentar
que leis nacionais ou federais teriam hierarquia, prevalência ou
causariam a revogação de outra e vice-versa, porquanto o fenômeno
jurídico de produção, modificação ou exclusão de normas dá-se dentro de
um mesmo sistema normativo. Se o sistema nacional produz norma cujo conteúdo remete
ao consignado em tratado internacional, ela somente poderá ser
modificada ou revogada por outra produzida pelo mesmo sistema, qual seja
o nacional. Também em
decorrência dessa posição jurisprudencial acolhida pela suprema Corte,
parece-nos que não há mais como invocar que os tratados internacionais
internados no sistema nacional atuam na condição de lei especial em
relação à lei federal, qualificada como geral, porque tal afirmação,
embora fundamentada no parágrafo 2º do artigo 2º da lei de introdução
ao Código Civil, parte da premissa de que ambas as normas - nacional e
federal -, pertenceriam ao mesmo sistema normativo. Esse, por exemplo,
foi o fundamento invocado no acórdão nº 101-94.910 (recurso nº
138.932) da 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes. Desde que integrantes de
sistemas normativos diversos, o fundamento de lei especial e lei geral é
inaplicável para a solução de controvérsias dessa ordem. E é
exclusivamente pela perspectiva de um sistema nacional, de cumprimento
obrigatório por parte de todos aqueles por ele abarcados (União Federal,
Estados, municípios e contribuintes), que deverão ser analisados os
tratados internacionais firmados pelo Brasil. De certo que, se por um lado
essa orientação jurisprudencial não resolve boa parte das discussões que
envolvem essa temática, especialmente aquelas relacionadas à definição
do conceito de renda, dividendos e estabelecimento permanente, por
outro, certamente ajuda no aspecto de impedir que casos futuros venham a
ser julgados apenas com suporte no fundamento de que prevaleceria lei
federal sobre o tratado - lei nacional. Ou mesmo no de que teria havido
revogação de uma pela outra, ou argumento de ordem semelhante. No caso da tributação da
renda, por exemplo, se há norma nacional vigente, não há que se falar a
respeito de norma federal. Conforme essa visão da Corte constitucional, é
a nacional que deverá ser aplicada ao caso concreto, ainda que com as
dificuldades para se limitar a extensão dos conceitos nela previstos
(renda, dividendos etc). Mas para superar tais empecilhos há outros
instrumentos jurídicos que perfeitamente podem ser utilizados, como
também já nos indicou a suprema Corte quando do julgamento do recurso
extraordinário nº 166.772, de 1994. À norma federal restará, portanto, o campo de aplicação
que não tenha sido alcançado pela nacional, derivada de tratado
internacional do qual o Estado federal brasileiro seja signatário. Pedro Guilherme Accorsi
Lunardelli é advogado, sócio da Advocacia Lunardelli e mestre e doutor
pela PUC-SP Este
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14/07/2010 |