O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) em discussões envolvendo apenas empresas. Os
ministros ampliaram o conceito de consumidor final, passando a entender
que a pessoa jurídica pode ser enquadrada nesta categoria se for
vulnerável na relação, mesmo que o produto seja usado como insumo.
As discussões sobre o que é insumo também têm tomado a pauta dos
ministros. Recentemente, a 3ª Turma analisou processo sobre a compra de
um helicóptero pela incorporadora Skipton. A aeronave foi adquirida da
Líder Táxi Aéreo para uso da diretoria. Nesse caso, entendeu-se que não
seria usado na produção. Assim, a Skipton poderia ter ajuizado a ação em
Curitiba, onde está sua sede. Ainda cabe recurso.
Pelo CDC, ação de responsabilidade civil de fornecedor de produtos
pode ser proposta no domicílio do autor. No recurso ao STJ, porém, a
Líder defendia que não haveria relação de consumo e que a Skipton não é
vulnerável, por ter adquirido um bem de alto valor. Por isso, entendia
que o processo teria que ser ajuizado em Belo Horizonte, onde está sua
sede, ou no exterior.
Em seu voto, o ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino afirma que
o STJ tem considerado que a pessoa jurídica pode ser consumidora quando
adquirir o produto ou serviço como destinatária final, utilizando-o
para atender a uma necessidade sua, não de seus clientes. "Conforme
restou consignado no acórdão recorrido, a aeronave foi adquirida para
atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica (deslocamento de
sócios e funcionários), não para ser incorporada ao serviço de
administração de imóveis", diz o relator.
Simone Zonari, advogada da Skipton no caso, defendeu a aplicação do
CDC. "Por mais que a venda tenha sido para uma empresa, ela era
consumidora final", afirma. Já Marcelo Carpenter, advogado da Líder, não
vê sentido na aplicação do CDC. "Essa é uma legislação protetora da
parte mais fraca. Nesse caso, tem-se uma empresa grande que comprou um
avião caríssimo. Não faz sentido aplicar o Código de Defesa do
Consumidor", diz.
No começo do mês, a 3ª Turma já havia reconhecido a aplicabilidade do
CDC em caso em que uma empresa do ramo de comércio de automóveis
contratou seguro para proteger os veículos mantidos em seu
estabelecimento. No processo, a seguradora negou a cobertura do prejuízo
decorrente do furto de uma caminhonete nas dependências da empresa.
Também há decisões da 1ª e da 2ª Turma nesse sentido.
A ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma, em voto proferido no fim de
2012, afirma que a jurisprudência do STJ se encontra consolidada no
sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra,
ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que considera
destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem
ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. E que agora está
evoluindo para uma "aplicação temperada da teoria finalista".
Essa evolução significa a admissão, em determinadas hipóteses, de que
uma empresa que compra um produto ou serviço pode ser equiparada à
condição de consumidora por apresentar frente ao fornecedor alguma
vulnerabilidade - "que constitui o princípio-motor da política nacional
das relações de consumo", segundo a ministra.
Com base nesse entendimento, a 3ª Turma permitiu que uma costureira
utilizasse o Código de Defesa do Consumidor. No caso, ela reclamava
contra uma cláusula do contrato com a fabricante de máquinas de costura
que elegia o foro de São Paulo, sede da empresa, para resolver eventuais
controvérsias. A costureira, moradora de Goiânia (GO), havia comprado a
máquina de bordado em 20 prestações.
De acordo com Bruno Bóris, professor de direito do consumidor na
Universidade Mackenzie, o STJ vem aplicando a corrente da "teoria
finalista aprofundada". De acordo com essa teoria, para a empresa ser
considerada consumidora é necessário haver uso próprio do bem adquirido -
e não como insumo na produção - ou a vulnerabilidade na relação com o
fornecedor.
Essa questão, porém, não deve ser analisado por meio de recurso
repetitivo, segundo Vinicius Zwarg, especialista em direito do
consumidor no escritório Emerenciano, Baggio e Associados. "É preciso
avaliar cada caso", diz.
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