O fim da década de 80 e o
início da de 90 ficaram sensivelmente marcados na história
político-econômica brasileira, em virtude da elevadíssima inflação e das
sucessivas (e infrutíferas) tentativas do Governo Federal de conter
esse índice, por meio dos conhecidos Planos Econômicos (Verão, Collor I,
Collor II, Bresser, etc.). Não é à toa que esse período ficou conhecido
como a “década perdida”.
O insucesso desses planos
econômicos acarretou severas consequências de ordem financeira para o
Estado brasileiro, o que, ao cabo, terminou por reverberar – como sempre
acontece – nos contribuintes. Vejamos o porquê.
Como sabido, a principal
medida governamental para barrar o aumento da inflação foi a imposição
de que correção monetária dos valores depositados em cadernetas de
poupança e nas contas do FGTS fosse feita em índice inferior ao devido,
ocasionando o “fenômeno” dos expurgos inflacionários, isto é, a redução
do poder de compra desses valores.
Pois bem. Especificamente
com relação aos expurgos das contas do FGTS, após intensa batalha
judicial, o STF reconheceu o direito à recomposição do saldo dessas
contas, quando da época dos Planos Verão (dez/88 a fev/89) e Collor I
(abr/1990).
Todavia, o Governo
Federal, calculando o importe a ser dispendido para fazer frente a esse
complemento de atualização, chegou à cifra dos R$ 40 bilhões e,
imediatamente, concluiu-se que não poderia arcar, sozinho, com esse
custo.
Foi instituída, então, por meio da LC 110, de 29 de junho de 2001,
duas contribuições sociais, cujo produto da sua arrecadação seria
destinado, tão somente, ao pagamento dos créditos complementares do
FGTS, uma delas, com prazo de vigência certo de 60 meses (art. 2º, §
2º), e a outra, ao contrário, sem o prévio estabelecimento de um prazo
específico (art. 1º), devendo, portanto, ser cobrada até que alcançada
sua finalidade.
Com relação a esta última, a referida lei previu que ela seria devida “pelos
empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à
alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos
devidos, referentes ao FGTS”.
Logo após a entrada em
vigor da LC 110/01, foram ajuizadas duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIn’s nº 2.556 e 2.568), defendendo-se a
impossibilidade de cobrança das contribuições, tendo a Corte
Constitucional brasileira (STF) entendido de modo contrário, isto é, que
elas estariam em consonância com os preceitos da Carta Política de
1988.
Ocorre, no entanto, que,
nesse julgamento, o STF não abordou a seguinte questão: o esgotamento da
finalidade para a qual foi instituída a contribuição social
(recomposição dos expurgos inflacionários) inviabilizaria sua cobrança?
Noutros termos, após o pagamento dos expurgos inflacionários, a
contribuição permaneceria vigente em nosso ordenamento, já que criada
com esse propósito específico?
A nosso ver, alcançada a
finalidade descrita na norma instituidora, não mais poderia o Poder
Público cobrar esse tributo. A melhor doutrina tributária nos ensina que
as contribuições constituem espécie tributária cuja cobrança gera
receita predestinada a financiar atividades estatais ou despesas
específicas , e, sendo assim, manter a cobrança da contribuição após
atendida essa despesa, feriria a ordem constitucional vigente,
especificamente o (art. 149, CF/88).
E é justamente isso que
se verifica na prática. Embora os expurgos das contas do FGTS tenham
sido devidamente quitados ainda em janeiro de 2007, nos termos do
Decreto nº 3.913/2001 – que regulamentou a LC 110/01 – e consoante já
informado pela própria Caixa Econômica Federal, entidade responsável por
gerir o fundo, a contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar
continua sendo cobrada.
Importante ressaltar que,
em 2012, o Congresso Nacional sinalizou o fim dessa contribuição,
quando levou para sanção presidencial o Projeto de Lei Complementar
(PLP) 200/12, que alterava a LC 110/01 pra estabelecer um “prazo final”
para a cobrança da contribuição em comento. Entretanto, a forte pressão
do Poder Executivo pela manutenção dessa (rentável) fonte de arrecadação
falou mais alto, tendo a Presidente Dilma Rousseff vetado a referida
alteração legislativa (Mensagem nº 301, de 23 de julho de 2013).
O argumento por ela
utilizado foi o de que os recursos oriundos da cobrança dessa
contribuição social, hoje, destinam-se ao Programa “Minha Casa, Minha
Vida” e o corte dessa fonte de custeio poderia inviabilizar a consecução
do referido programa. Ou seja, o próprio Governo Federal admite,
expressamente, que está destinando as verbas obtidas com a contribuição
para uma finalidade absolutamente diversa daquela a que fora instituída.
Essa posição, ainda que
pudesse contar com o forte apelo social, não se coaduna com a ordem
jurídica vigente, denotando verdadeira ofensa à Constituição Federal de
1988, pois, como dito, não é dado ao Poder Legislativo, nem muito menos
ao Executivo alterar a destinação das verbas obtidas mediante a
instituição de uma contribuição social.
Nessa ordem de ideias,
pode-se concluir que o produto de arrecadação de uma contribuição
somente pode ser destinado à finalidade específica prevista na própria
lei que a instituiu.
Frise-se, inclusive, que
já estão tramitando no STF outras duas ADIn’s (5.050 e 5.051),
discutindo, justamente, a (in)constitucionalidade da contribuição do
art. 1º da LC 110/01, em virtude do atendimento da finalidade para a
qual foi instituída: complemento da atualização das contas do FGTS nos
períodos de vigência dos Planos Verão e Collor I.
Embora ainda sejam
incipientes as ações individuais ajuizadas para discutir essa matéria,
já é possível encontrar alguns precedentes de juízos singulares
(primeira instância), ratificando a posição favorável aos contribuintes.
Nesse contexto, diante da
expressiva cifra que essa contribuição significa para os cofres
públicos, essa nova batalha “Fisco x contribuintes”, é possível dizer,
está longe do fim, mas, por outro lado, analisando os preceitos que
orientam nosso Sistema Constitucional Tributário, enxergamos boas
chances na tese “pró-contribuinte”, no sentido de se alcançar o direito
ao não pagamento do tributo, bem como recuperar os créditos pagos
indevidamente nos últimos cinco anos.
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* Ruan Vítor Lemos Guerra é advogado do escritório Martorelli Advogados.