Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha (
Lei 11.340/06) em ação cível, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor. A decisão é da Quarta Turma.
Para
o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, a agregação de caráter
cível às medidas protetivas à mulher previstas na Lei Maria da Penha
amplia consideravelmente a proteção das vítimas de violência doméstica,
uma vez que essas medidas assumem eficácia preventiva.
“Parece
claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher
pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal,
mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que,
concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com
consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões
corporais graves ou gravíssimas”, ponderou Salomão.
Ainda
segundo o ministro, “franquear a via das ações de natureza cível, com
aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um
mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações
intrafamiliares”.
O casoA ação
protetiva dos direitos da mulher foi ajuizada por uma senhora contra um
de seus seis filhos. Segundo o processo, após doações de bens feitas em
2008 por ela e o marido aos filhos, um deles passou a tratar os pais de
forma violenta, com xingamentos, ofensas e até ameaças de morte. O
marido faleceu.
Com a ação, a mulher pediu a aplicação de
medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Queria que o filho
fosse impedido de se aproximar dela e dos irmãos no limite mínimo de cem
metros de distância, e de manter contato com eles por qualquer meio de
comunicação até a audiência. Queria ainda a suspensão da posse ou
restrição de porte de armas.
Em primeira instância, o processo
foi extinto sem julgamento de mérito. O juiz considerou que as medidas
protetivas da Lei Maria da Penha têm natureza processual penal e são
vinculadas a um processo criminal. Não há ação penal no caso. O Tribunal
de Justiça de Goiás (TJGO) reformou a sentença e aplicou as medidas
protetivas, por entender que elas têm caráter civil. O filho apontado
como agressor recorreu ao STJ contra essa decisão.
Natureza cívelSegundo
o ministro Luis Felipe Salomão, a Lei Maria da Penha permite a
incidência do artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil
(CPC) para concretização das medidas nela previstas. Ele entendeu que,
de forma recíproca e observados os requisitos específicos, é possível a
aplicação da Lei 11.340 no âmbito do processo civil.
Seguindo o
voto do relator, a Turma decidiu, por unanimidade de votos, que as
medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para
concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de
cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher,
independentemente da existência, presente ou potencial, de
processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa
hipótese, as medidas de urgência terão natureza de cautelar cível
satisfativa.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.