No fim de 2013, após
mais de 12 anos de espera dos contribuintes, o Supremo Tribunal Federal
(STF) concluiu o julgamento dos recursos que questionavam a
constitucionalidade das normas do denominado "Plano Verão" (parágrafo 1º
do artigo 30 da Lei nº 7.730, de 1989, e artigo 30 da Lei nº 7.799, de
1989), que determinavam, para fins de correção monetária das
demonstrações financeiras, a utilização de índice inferior à inflação
efetivamente ocorrida, implicando a majoração ilegítima e artificial do
Imposto de Renda e da CSLL do ano-base de 1989.
O STF, na sistemática de repercussão geral, acolheu a tese das
empresas e declarou inconstitucionais os referidos dispositivos, por
entender que "o valor fixado para a OTN, decorrente de expectativa de
inflação, além de ter sido aplicado de forma retroativa, em ofensa à
garantia do direito adquirido (CF, artigo 5º, XXXVI) e ao princípio da
irretroatividade (CF, artigo 150, III, a), ficara muito aquém daquele
efetivamente verificado no período" (Informativo nº 729/STF), implicando
a "majoração da base de incidência do imposto sobre a renda e criação
fictícia de renda ou lucro, por via imprópria" (idem). Consignou, ainda,
que a definição do índice de correção adequado caberia à instância
ordinária, respeitando-se a efetiva recomposição do poder aquisitivo da
moeda no período.
Apesar do posicionamento favorável aos contribuintes, algumas
empresas não comemoraram, pois, em razão da demora na apreciação do
tema, optaram, no passado, por desistir de suas demandas e submeter o
suposto débito a parcelamentos tributários, cujas leis impunham a
renúncia ao direito e a confissão da dívida como requisitos à admissão
no regime especial de pagamento.
Os contribuintes podem comemorar a vitória no Supremo e ajuizar ações de revisão de parcelamento
Esses contribuintes, no entanto, têm o direito de ajuizar ações de
revisão de parcelamento cumuladas com a repetição do indébito para
recuperar aquilo que foi inconstitucionalmente pago nos últimos cinco
anos.
Como se sabe, a declaração de inconstitucionalidade invalida a norma
desde a sua instituição (ab initio e ex tunc), o que se excepciona
apenas nos casos em que o STF atribui efeitos prospectivos (ex nunc) à
declaração de inconstitucionalidade, o que não ocorre na hipótese ora
tratada.
Ou seja, em regra, no âmbito do direito tributário, da declaração de
inconstitucionalidade da norma de incidência decorre a invalidade da
obrigação.
A obrigação tributária, por sua vez, tem origem na lei (artigos 3º do
CTN e 150, I, da Constituição), não sendo possível criá-la ou afastá-la
por ato de vontade das partes conforme se dá nas relações submetidas ao
direito privado.
Por isso, a declaração de vontade (confissão de "dívida" ou renúncia
ao direito) não tem o condão de submeter o contribuinte à imposição
tributária não prevista pelo ordenamento jurídico, seja porque não
constante de lei ou já declarada ilegítima à luz da Constituição.
A jurisprudência (REsp 927.097, DJ 31/05/2007, relator ministro Teori
Zavascki; REsp 1.074.186, relatora ministra Denise Arruda, DJ
09/12/2009; REsp 947.233, relator ministro Luiz Fux, DJ 10/08/2009) e a
doutrina (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código
Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, Livraria do Advogado,
9ª edição, página 608) agasalham esse entendimento, possibilitando a
revisão e o controle judicial sobre a relação jurídico-tributária,
quando se está diante de ilegitimidade flagrante da norma de incidência
que fundamenta o pagamento parcelado.
Segundo o STJ, a confissão da dívida atinge os fatos - estes sim
imutáveis, salvo se comprovado vício de vontade (REsp 1.133.027,
ministro Mauro Campbell, DJ 16/03/2011, repetitivo) -, mas não tem o
condão de imunizar as fontes normativas que possibilitaram a instituição
e cobrança do tributo e que podem, eventualmente, vir a ser objeto da
declaração de inconstitucionalidade.
Por isso, a Corte Superior, no REsp 947.233, afirmou que "a revisão
judicial da confissão da dívida ressoa inequívoca, porquanto tem por
objeto a ilegitimidade das normas que instituíram os tributos em tela,
uma vez que a presente demanda versa sobre a alíquota progressiva do
IPTU, a TIP e a TCLLP, declarados inconstitucionais pelo STF" (voto
ministro Luiz Fux, relator, DJ 10/08/2009).
Admitir entendimento diverso do defendido acima implicaria, de um
lado, (i) mitigar, por via transversa e ilegítima, um pronunciamento
"não modulado" do STF em sede de repercussão geral e, consequentemente,
(ii) tratar de forma anti-isonômica os contribuintes que, à época da
incidência tributária, encontravam-se igualmente submetidos à exação.
Por outro lado, admitiria (iii) a criação de obrigação tributária sem
previsão em lei, por simples ato de vontade das partes, ignorando-se o
princípio da estrita legalidade em matéria tributária.
Daí porque os contribuintes podem, sim, comemorar a vitória no STF e,
caso tenham incluído em parcelamento débitos acerca dessa temática,
buscar a revisão jurisdicional do que fora indevidamente pago.
Daniel Corrêa Szelbracikowski é advogado associado da Advocacia Dias de Souza, especialista em direito tributário
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal
Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser
responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer
natureza em decorrência do uso dessas informações