DECISÃO
Efeito retroativo de alteração em contrato social invalida procuração que permitiu alienação de imóveis
A Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) considerou inválida procuração que permitia a
transferência de bens de uma empresa para antigo sócio, como pagamento
de cotas societárias. Os ministros observaram que a procuração foi
lavrada depois da alteração do contrato social que estabeleceu novas
regras para alienação de bens da sociedade.
A empresa Empi –
Empreendimentos Imobiliários outorgou procuração, assinada pelos dois
sócios que a integravam em 4 junho de 1990, para transferir seis imóveis
como pagamento de cotas a ex-sócio.
Antes da lavratura do
documento, que ocorreu em 20 de junho daquele ano, a composição da
sociedade foi alterada e o novo contrato passou a exigir a assinatura de
três administradores para a alienação de bens.
Dos seis
imóveis, quatro foram alienados a terceiros e efetivamente transferidos a
eles. Diante disso, o ex-sócio e sua esposa moveram ação de anulação do
negócio jurídico, com compensação de danos morais, contra a empresa e
os terceiros adquirentes dos imóveis.
Em resposta, a Empi pediu
em juízo a anulação da procuração concedida em favor dos autores, por
vício de representação da sociedade. Além disso, pediu a nulidade dos
registros das duas propriedades efetivamente transferidas a eles.
Danos morais
O
juízo de primeiro grau deu razão aos autores. Anulou a alienação
posterior (em favor dos terceiros) e, ainda, condenou a empresa ao
pagamento de danos morais no valor de R$ 25 mil. Os pedidos da Empi,
formulados na reconvenção, foram julgados improcedentes.
A
empresa apelou e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) deu parcial
provimento ao recurso, para excluir da sentença a declaração de nulidade
dos negócios jurídicos celebrados entre a empresa e os terceiros
adquirentes, considerando estes de boa-fé.
Apesar disso,
considerou válida a procuração. A Empi foi condenada a pagar quantia
equivalente ao valor de mercado atual dos lotes aos autores. A
compensação dos danos morais foi mantida conforme a sentença, pois o
tribunal considerou que houve inadimplemento da obrigação por parte da
sociedade, já que esta se comprometeu em dar os imóveis em pagamento.
Ainda
não satisfeita, a sociedade recorreu ao STJ. Sustentou a invalidade da
procuração apresentada. Defendeu que o acórdão do TJBA violou a regra
segundo a qual os efeitos do registro de uma alteração de contrato
social retroagem à data de sua assinatura quando o prazo entre esses
dois fatos – assinatura e registro – é de até 30 dias.
A mudança
do contrato social foi assinada em 4 de junho de 1990, antes da
lavratura da procuração, e foi apresentada à Junta Comercial para
registro no dia 28 do mesmo mês.
Antes do registro
A
ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, observou que o
TJBA levou em consideração apenas o fato de que a procuração foi lavrada
antes do registro, “de tal sorte que para a própria sociedade e para
terceiros se aplicaria o tanto quanto registrado até então na Junta
Comercial, vale dizer, o contrato social anterior”.
Andrighi
explicou que o artigo 39 da Lei 4.726/65, vigente à época dos fatos,
previa claramente que a alteração do quadro societário, quando submetida
a registro em até 30 dias, tem efeitos retroativos à data de
confecção/assinatura.
Em outras palavras, “tendo sido registrada
a alteração estatutária no interregno temporal capaz de retroagir seus
efeitos à data da assinatura, a conclusão obtida pelo acórdão recorrido
simplesmente ignora a regra então estabelecida pelo artigo 39 da Lei
4.726”, disse Andrighi.
Ela enfatizou que, por isso, no momento
da lavratura da procuração, a sociedade não era mais integrada pelos
mesmos sócios que a outorgaram.
Vício de presentação
Assim,
a ministra explicou que “o vício que se discute haver na procuração é
de presentação (e não propriamente de representação), na medida em que,
uma vez aceita a concepção de que a pessoa jurídica expressa-se, como
sujeito de direito autônomo que é, por meio de pessoa(s) física(s)
indicada(s) no contrato social, não se concebe a ideia de representação
porque não há intermediários agindo em nome da pessoa jurídica, estando,
em verdade, ela própria, diretamente, praticando atos da vida civil”.
Com
base nessa conclusão, afirmou a relatora, “por efeito lógico, se há
vício na presentação da pessoa jurídica no que tange à outorga de
poderes para transferência de bens imóveis seus, igualmente não se pode
ter como válida ‘sua’ manifestação de vontade também quanto à promessa
de dação em pagamento" para efeito de liquidação das cotas do
recorrido”.
Em outras palavras, enfatizou a ministra, “como a
promessa de dação em pagamento foi considerada provada pelo acórdão
principalmente pelo conteúdo da procuração, seria ilógico imaginar,
agora com o reconhecimento da invalidade desta, que referido negócio
pudesse se sustentar”.
Nessa esteira, quanto aos danos morais, a
ministra considerou que a sociedade não cometeu ato ilícito. Para ela,
com o reconhecimento do vício de presentação, impor à empresa o dever de
compensar eventual dano moral “seria o mesmo que admitir sua
responsabilidade sem ato de sua parte (leia-se, sem nexo de causa e
efeito) relacionado ao dano alegado”.
A Turma deu provimento ao
recurso especial para julgar improcedentes os pedidos da ação principal
e, por sua vez, procedentes os pedidos formulados em reconvenção pela
Empi.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
REsp 1381719
17/01/2014 |