DECISÃO
Apesar de possuir outro imóvel, companheira sobrevivente tem direito real de habitação
Mulher que adquiriu imóvel com o dinheiro do
seguro de vida do companheiro, quatro meses após a morte dele, tem
direito real de habitação referente a outro imóvel, no qual residia com o
companheiro. Essa decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ).
Durante o processo de inventário, o juízo de
primeiro grau determinou que a mulher desocupasse o imóvel do
companheiro no prazo de 60 dias. O magistrado aplicou, por analogia, o
artigo 1.831 do Código Civil (CC), segundo o qual, o cônjuge
sobrevivente tem direito real de habitação do imóvel que servia de
residência ao casal, desde que seja o único dessa natureza.
A
mulher recorreu contra essa decisão. Afirmou que o imóvel foi pago quase
que integralmente durante a convivência do casal, que durou por 14
anos. Pediu que fosse reconhecido seu direito real de habitação.
Contudo, o tribunal de justiça local negou provimento ao recurso.
Revogado
No
STJ, ela sustentou que o fato de ser proprietária de outro imóvel não
impede a concessão do direito real de habitação, pois, segundo ela, esse
direito é deferido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente,
“independentemente de qualquer condição pessoal, social ou econômica”.
Ressaltou
que o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96 não foi revogado
expressamente ou de forma tácita com a entrada em vigor do CC/02. O
dispositivo concede ao companheiro sobrevivente o direito real de
habitação sobre o imóvel que serviu de residência do casal.
De
acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, o
artigo 1.790 do CC regulou inteiramente a sucessão do companheiro e
revogou tacitamente as leis da união estável. Ele afirmou que o CC de
2002 deve ser aplicado ao caso, já que a sucessão foi aberta na sua
vigência.
Contramão
Salomão mencionou
que o artigo 1.790 do CC não prevê o direito real de habitação aos
companheiros. Quanto ao tema, citou doutrina de Francisco José Cahali,
para quem “a nova lei força caminho na contramão da evolução
doutrinária, legislativa e jurisprudencial elaborada à luz da
Constituição Federal de 1988”.
“Ocorre que a interpretação
literal da norma posta conduziria à conclusão de que o cônjuge estaria
em situação privilegiada em relação ao companheiro, o que não parece
verdadeiro pela regra da Constituição Federal”, afirmou.
Segundo
o ministro, a união estável não é um estado civil de passagem, “como um
degrau inferior que, em menos ou mais tempo, cederá vez ao casamento”.
Entidade familiar
Salomão
explicou que o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que
reconhece a união estável como entidade familiar, é uma norma de
inclusão, “sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair
efeitos discriminatórios”.
Quanto ao caso específico, Salomão
sustentou que o fato de a companheira ter adquirido outro imóvel
residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do falecido não
resulta na exclusão do direito real de habitação referente ao imóvel em
que residia com seu companheiro.
“Se o dinheiro do seguro não se
insere no patrimônio do de cujus, não há falar-se em restrição ao
direito real de habitação no caso concreto, porquanto o imóvel em
questão - adquirido pela ora recorrente - não faz parte dos bens a
inventariar”, disse o relator.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
REsp 1249227
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112955
16/01/2014 |