O Prouni, como é
conhecido o Programa Universidade para Todos, tem como finalidade a
concessão de bolsas de estudo em cursos de graduação de formação
específica em instituições de ensino superior privadas. Criado pelo
governo federal em 2005, esta salutar medida de incentivo à educação
possui como contrapartida a isenção de alguns tributos para as
instituições que aderirem ao programa, visando garantir o direito
constitucional à educação aos estudantes com renda familiar per capita
máxima de até três salários mínimos e egressos do ensino médio da rede
pública ou particular na condição de bolsistas integrais.
A despeito da sua vital importância para o país, e de o Supremo
Tribunal Federal (STF) já ter confirmado sua constitucionalidade,
deixando claro que os seus critérios originais são razoáveis e
justificados (Adin 3.330/DF), as instituições de ensino superior que
ingressaram no programa estão em vias de sofrer expressiva reviravolta
em seus projetos, em função de novas e inaceitáveis regras, introduzidas
unilateralmente e à sua revelia.
Afinal, com a edição da nova regulamentação do Prouni em 2013, o que
antes representava uma contrapartida legítima e estruturada para a
concessão de tais bolsas pelas entidades privadas, passou a significar
algo extremamente limitado, não mais dependente da oferta das bolsas aos
estudantes necessitados.
O incentivo tributário do Programa Universidade para Todos foi suprimido, sorrateiramente, do dia para a noite
A agravar o problema, as instituições foram obrigadas a calcular a
contrapartida tributária a que teriam direito de acordo com um complexo e
atípico modelo de cálculo, realizado a partir da divisão do valor das
bolsas preenchidas e as bolsas ofertadas, o chamado "POEB" (Proporção de
Ocupação Efetiva de Bolsas).
Sucede que o novo regime incorre em grave violação à segurança
jurídica derivada das isenções condicionadas, insuscetíveis de livre
supressão, a teor do artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), que
proíbe a revogação ou modificação de isenções que tenham sido
concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições.
A questão da inalterabilidade dessas isenções, primado da segurança
jurídica, já foi, há muito, resolvida pelo STF, que editou a Súmula 544,
segundo a qual "isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa,
não podem ser livremente suprimidas". Consequentemente, quando concedida
por prazo certo e segundo determinadas condições, a isenção não pode
ser livremente revogada ou alterada pelo legislador.
Na seara tributária, a segurança jurídica deve ser compreendida como
um pressuposto inafastável para garantir a confiança do contribuinte. A
solidificação da segurança jurídica visa conceder estabilidade, clareza e
previsibilidade nas suas relações com o Fisco. Seguindo caminho
diametralmente oposto, a União, que tanto se arvora a ditar a
estabilidade das regras jurídicas, as altera, quebrando os compromissos
firmados por meio dos termos de adesão.
A situação torna-se ainda mais preocupante quando se verifica a
instabilidade que rege a situação, tendo em vista a revogação de atos ao
sabor das conveniências da arrecadação. Observe-se que, ao modificar
seu entendimento quanto ao método de fruição dos benefícios fiscais,
transmudou-se o modelo de que tratava a legislação anterior em
verdadeira isenção parcial, condicionada ao preenchimento de vários
requisitos e, mais ainda, à aplicação de fórmula aritmética complexa,
engendrada genuinamente para invalidar e inviabilizar a fruição do
benefício, passando ao largo, como dito, do prazo de dez anos de que
tratam os termos de adesão assinados pelas instituições de educação
privadas junto ao Ministério da Educação, como se nenhum valor tivessem.
Se mantido esse novo regramento, inevitável será que se cause
evidente descompasso na competitividade entre as instituições de ensino
que ocupem a integralidade das bolsas oferecidas e aquelas que, por
motivos alheios, não alcancem tal feito. Considerando fatores externos,
como o não preenchimento dos requisitos sócio-econômicos e a deficiência
no ensino fundamental no Brasil, as bolsas oferecidas nem sempre podem
ser ocupadas pelos alunos que se inscrevem para concorrê-las, mas tal
resultado não pode ser debitado da conta do setor privado, que coopera
para aumentar o número de vagas disponíveis nos cursos superiores para
aqueles que não teriam condições de estudar.
Com essa mudança inconstitucional e mal pensada, coloca-se em risco
iminente relevante marca alcançada pelo país em relação ao direito
constitucional à educação, já que o Prouni atendeu, desde a sua criação
até o processo seletivo do primeiro semestre de 2013, mais de 1,2 milhão
de estudantes (68% com bolsas integrais). Compromete-se também a
própria confiança legítima que deve pautar a relação Fisco-contribuinte,
eis que o setor privado foi chamado a cooperar na política pública de
acesso à educação, tendo como contrapartida determinado incentivo
tributário, suprimido, sorrateiramente, do dia para a noite.
Infelizmente, parece acertada a reflexão popular no sentido de que "no
Brasil, até o passado é incerto".
Luiz Gustavo Bichara é sócio de Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados e procurador tributário do Conselho Federal da OAB
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