A expressão popular descreve a situação
financeira de muitos consumidores brasileiros diante dos bancos,
financeiras, prestadoras de serviço e comércio em geral.
Dados
recentes da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio,
revelam que o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso subiu em novembro de 2013, em comparação com o mesmo mês de 2012.
Já
a Serasa Experian, empresa especializada na administração de
informações de crédito, divulgou que, no acumulado de janeiro a outubro
de 2013, o índice de inadimplência do consumidor
recuou 0,6% na comparação com o mesmo período do ano anterior, a primeira queda desde o início da apuração, em 1999.
Em outra pesquisa, realizada em 2012 com aproximadamente mil consumidores, a Serasa Experian
apontou
que 25% dos entrevistados se declararam inadimplentes. Destes, 38%
admitiram não ter ideia do valor total das contas ou parcelas em atraso.
E 60% dos devedores afirmaram que normalmente falta dinheiro no fim do
mês e quase a metade de sua renda mensal está comprometida com dívidas.
As
constantes ofertas de crédito e facilidades de pagamento divulgadas
diariamente incentivam os consumidores a assumir compromissos além de
sua capacidade e acabam por levar grande número deles aos temidos
cadastros de inadimplentes. Muitas dessas situações chegam ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Obrigação do credor
Em recente julgamento, a Quarta Turma do STJ
concluiu
que o ônus de baixar a inscrição do nome do consumidor nos cadastros de
proteção ao crédito é do credor, e não do devedor. A tese foi aplicada
no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 307.336, cujo relator foi o
ministro Luis Felipe Salomão.
O recurso envolveu a Sul
Financeira e um consumidor cujo nome foi mantido indevidamente em
cadastros de proteção ao crédito. Os ministros mantiveram o entendimento
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou a financeira a
pagar indenização no valor de R$ 5 mil ao consumidor, por danos morais,
em virtude da não retirada imediata do seu nome dos cadastros.
Salomão
invocou o artigo 43, parágrafo 3º, e o artigo 73, ambos do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), para embasar sua conclusão. Esse último
dispositivo caracteriza como crime a falta de correção imediata dos
registros de dados e de informações inexatas a respeito dos
consumidores.
Correção dos registrosA
posição a respeito da obrigação do credor de providenciar a retirada do
nome do devedor dos cadastros de inadimplentes, após a quitação da
dívida, é entendimento pacífico nas Turmas que compõem a Segunda Seção,
conforme o
exposto pela ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial (REsp) 1.149.998.
O
recurso envolveu um consumidor e a empresa de telefonia e internet
Global Village Telecom – GVT. Após ter conhecimento de que seu nome
havia sido incluído em cadastro de inadimplentes, o recorrente quitou o
débito que originou a inscrição. Decorridos 12 dias, o consumidor fez
pedido de cartão de crédito a uma instituição financeira mas a
solicitação foi rejeitada, pois seu nome ainda fazia parte dos registros
do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em virtude do débito quitado
com a GVT.
Tal situação gerou o ajuizamento de ação de indenização por danos morais pelo cliente.
Ao
se pronunciar sobre a lide, o tribunal gaúcho afirmou que as
providências a serem tomadas para retirada do nome dos cadastros de
inadimplentes cabiam ao autor, sendo exigido do credor “tão somente a
conduta de não impor embaraços, o que se entende por satisfeito pelo
fornecimento de recibo a autorizar a baixa do assento”.
Entretanto,
de acordo com a ministra Nancy Andrighi, a melhor interpretação do
artigo 43, parágrafo 3o, do CDC é a de que, uma vez regularizada a
situação de inadimplência do consumidor, deverão ser imediatamente
corrigidos os dados constantes nos órgãos de proteção ao credito, sob
pena de ofensa à própria finalidade dessas instituições, visto que elas
não se prestam a fornecer informações inverídicas a quem delas
necessite.
“Induvidoso, portanto, que cabia à GVT ter procedido à baixa do nome do recorrente nos registros do SPC”, afirmou.
PrazoAo
dizer que a correção deve ser feita “imediatamente” ou “em breve espaço
de tempo”, por vezes, os julgados deixam dúvidas quanto ao prazo a ser
considerado pelo consumidor para cobrar de maneira legítima a efetiva
exclusão do seu nome dos cadastros de inadimplência. Da mesma forma, os
credores ficam sem um balizador para adequar seus procedimentos
internos, de modo a viabilizar o cumprimento da exigência.
A
solução pode ser extraída do próprio parágrafo 3o do artigo 43, conforme
explica a ministra, pois ele estabelece que “o consumidor, sempre que
encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua
imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis,
comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações
incorretas”.
Dessa forma, “é razoável que o prazo de cinco dias
do artigo 43, parágrafo 3o, do CDC norteie também a retirada do nome do
consumidor, pelo credor, dos cadastros de proteção ao crédito, na
hipótese de quitação da dívida. Por outro lado, nada impede que as
partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem prazo diverso
do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação abusiva
desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor”, ponderou Nancy
Andrighi.
Após a demonstração da negligência da GVT na exclusão
do nome do recorrente dos cadastros, o STJ aplicou o entendimento
consolidado, segundo o qual “a inércia do credor em promover a
atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento e,
consequentemente, o cancelamento do registro indevido gera o dever de
indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob
forma de dano presumido”, conforme preconizado no REsp 957.880, de
relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.
Notificação préviaEm
julgado de relatoria da ministra Isabel Gallotti (AREsp 169.212), a
Quarta Turma entendeu que a Serasa e o Serviço de Proteção ao Crédito
(SPC), quando importam dados do Cadastro de Emitentes de Cheques sem
Fundos (CCF) do Banco Central (Bacen) para inscrição do nome do
consumidor em seus cadastros, têm o dever de expedir notificação prévia.
O recurso tratava de demanda entre um consumidor e o Banco
Itaú. O correntista afirmou que era nula a sua inscrição nos cadastros
restritivos de crédito, pois ele não havia sido comunicado previamente
pelo Itaú. Entretanto, a tese adotada pelo STJ é de que a obrigação de
comunicar a inscrição em órgão de proteção ao crédito “é da entidade
cadastral e não do credor”, ressaltou a ministra.
De acordo com
Gallotti, o disposto no artigo 43 do CDC, apontado por violado no
recurso especial, dirige-se à entidade mantenedora do cadastro de
proteção ao crédito e não ao credor ou à instituição bancária.
O
entendimento adotado pela Corte foi o mesmo ao julgar recurso que
questionava o ressarcimento de um cliente por danos morais, em razão da
falta de comunicação prevista no artigo 43, parágrafo 2º, do CDC. Nesses
casos, o STJ entende que a legitimidade para responder por dano moral é
do banco de dados ou da entidade cadastral, aos quais compete fazer a
negativação que lhe é solicitada pelo credor (Ag 903.585).
Após
consolidar a jurisprudência sobre esse ponto, o STJ editou a Súmula 359,
que dispõe que a entidade mantenedora do cadastro de proteção ao
crédito é que deve notificar o devedor antes de proceder à inscrição.
Recurso repetitivo
Em
virtude da multiplicidade de recursos que discutiam indenização por
danos morais decorrentes de inscrição do nome do devedor nos cadastros
de restrição ao crédito com ausência de comunicação prévia, em especial
nos casos em que o devedor já possui outras inscrições nos cadastros, o
REsp 1.061.134 foi utilizado como representativo de
controvérsia e julgado de acordo com o artigo 543-C do Código de Processo Civil.
O
recurso versava sobre o caso de um consumidor que pediu o cancelamento
do registro de seu nome dos cadastros de inadimplentes e pleiteou danos
morais em razão da falta de prévia comunicação pela Câmara de Dirigentes
Lojistas de Porto Alegre (CDL). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul não acolheu os pedidos, pois considerou que o devedor possuía
diversos registros desabonadores, que evidenciavam a reiteração da
conduta.
LegitimidadeO recurso serviu
para a consolidação de alguns entendimentos sobre legitimidade para
responder em ação de reparação de danos, caracterização do dever de
indenizar e inadimplência contumaz.
Sob a relatoria da ministra
Nancy Andrighi, a Segunda Seção firmou o entendimento de que a entidade
que reproduz ou mantém cadastro com permuta de informações entre bancos
de dados pode responder em ação indenizatória.
Nesses casos, “o
órgão que efetuou o registro viabiliza o fornecimento, a consulta e a
divulgação de apontamentos existentes em cadastros administrados por
instituições diversas com as quais possui convênio, como ocorre com as
Câmaras de Dirigentes Lojistas dos diversos estados da federação entre
si”, observou a ministra.
O colegiado firmou a posição de que o
Banco Central não é parte legítima para responder em ações de
indenização por danos morais e materiais pelo fato de manter o CCF, pois
o cadastro é de consulta restrita. Segundo a relatora, os dados do CCF
apenas podem ser acessados em virtude da reprodução de seu conteúdo por
outras mantenedoras de cadastros restritivos de crédito.
Dano moralNo
mesmo recurso, a Segunda Seção pacificou a tese de que, para a
caracterização do dever de indenizar, é suficiente a ausência de prévia
comunicação, mesmo quando existente a dívida que gerou a inscrição. “O
objetivo da notificação não é comunicar o consumidor da mora, mas sim
propiciar-lhe o acesso às informações e preveni-lo de futuros danos”,
explicou Nancy Andrighi.
Todavia, o dever de indenizar sofre
tratamento específico quando o consumidor possui inscrições
preexistentes, regularmente realizadas em cadastros restritivos de
crédito. O pensamento foi
inaugurado
no julgamento do REsp 1.002.985, de relatoria do ministro Ari
Pargendler, que considerou que “quem já é registrado como mau pagador
não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como
inadimplente em cadastros de proteção ao crédito”.
Inadimplente contumazA
existência de outras inscrições em nome do devedor afasta, portanto, o
dever de indenizar por danos morais. De acordo com Pargendler, para que
seja caracterizado o dano moral, “haverá de ser comprovado que as
anotações anteriores foram realizadas sem a prévia notificação do
interessado”.
Nesse sentido foi julgado o REsp 1.144.272, de
relatoria da ministra Isabel Gallotti. O recorrente teve seu nome
inscrito em cadastro de inadimplentes, sem notificação prévia, em
virtude da emissão de dez cheques sem fundos em apenas um mês.
O
Tribunal de Justiça da Paraíba considerou indevida a indenização por
danos morais decorrente da inscrição irregular, quando o devedor já
possui anotações anteriores. E determinou apenas a exclusão de seus
dados do cadastro de maus pagadores.
Insatisfeito, o devedor
recorreu ao STJ. Alegou que tinha direito à indenização. O STJ ratificou
a tese do tribunal de origem, pois entende que a ausência de prévia
comunicação ao consumidor atrai a compensação por danos morais, salvo
quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada.
No
julgamento, foi citada a Súmula 385, que dispõe que, da anotação
irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por
dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito
ao cancelamento do registro.