As gerações sempre
serão substituídas por outras, trabalhadores passam por seus empregos e
um dia vão para casa. Em tese, a aposentadoria concluiria o ciclo, e
novos trabalhadores entrariam no mercado.
No Brasil anterior a 1988 (atual CF),
o início da atividade profissional se dava para muitos em idade hoje
dita como trabalho infantil. Era comum nos deparamos com trabalhadores
com idades de 12, 14, 15 anos. Estes, nos dias de hoje, estão em torno
de 50 anos e já atingiram um limite de tempo trabalhado com 35 anos ou
mais de contribuição previdenciária.
É de se perguntar se existe uma idade ideal para a entrada no mercado de trabalho. Com a EC 20/98,
antes dos 16 anos, passou a existir expressa vedação legal ao trabalho.
Estudar, formar e ter uma população melhor preparada são alguns dos
desafios que o país assumiu a partir da Constituição. Certas ou não, as
políticas de Estado, que se sucederam ao longo dos anos, tentaram ter
esse norte. Algumas mais, outras menos. Mas a realidade do fim do
trabalho infantil ainda é um caminho em constante evolução.
E essa juventude consegue chegar ao mercado de trabalho? Existem empregos suficientes para ela?
Ao olhar para as
condições das aposentadorias no Brasil, especificamente para o seu
valor, como elas são calculadas e os fatores de inibição para o seu
recebimento, podemos observar alguns aspectos perversos dessa conta. Ao
contrário de uma pretensa economia, o que salta aos olhos é o déficit
maior para o país.
A mágica - o fator previdenciário - a inibição para se aposentar
Desde o início
desse século, passamos a conviver, para o cálculo dos benefícios
previdenciários da aposentadoria por contribuição e por idade, com o
chamado fator previdenciário. Ele se baseia em quatro elementos:
alíquota de contribuição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à
Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado (conforme
tabela do IBGE).
Anteriormente a
26/11/99, data em que as regras atuais para o cálculo da aposentadoria
passaram a vigorar, a aposentadoria respeitava o cálculo com base nas 36
últimas contribuições. Depois desta data, com o advento da lei 9.876/99,
buscou-se um sistema de cálculo em que o benefício respeitasse
efetivamente a média das contribuições existentes, ou seja: a
aposentadoria passou a ser o resultado daquilo que a pessoa recolhe ao
longo do período contributivo, recuando-se, como marco inicial do
cálculo, ao mês de julho de 1994. O cálculo desse benefício considera
80% das maiores contribuições realizadas a partir de julho de 1994. Para
se ter uma ideia, um trabalhador, que no período de apuração tenha
contribuído com o teto da Previdência Social (hoje em R$ 4.150,00), terá
a sua média das contribuições correspondendo a algo em torno dos R$ 3,9
mil. Isso porque, são considerados os valores anteriores a dezembro de
2003. Cabe lembrar que as contribuições realizadas entre 1994 a dezembro
de 2003, quando atualizadas para a apuração da média hoje, correspondem
normalmente de R$ 2,8 mil a R$ 3,4 mil. Isso porque, somente depois de
2003 é que a atualização dos benefícios valorizou-se com a política
atual de reajuste real do salário mínimo.
O resultado prático
dessa conta é a redução dos valores dos benefícios. Imagino, porém, que
essa situação não sirva de papel inibidor para o pedido de
aposentadoria.
Não inibe porque
por outros motivos como a seguir veremos, a aposentadoria mesmo que
reduzida passa a ser um ganho momentâneo para o trabalhador, o qual
somente no futuro quando mais precisar desses vencimentos é que sentirá
os efeitos de sua redução.
A aposentadoria e o fator previdenciário - os efeitos do eu não vou para casa
Trabalhando com o
setor bancário, encontro normalmente a realidade do alcance do tempo
limite de contribuição para aposentadoria, diante de trabalhadores com
idade entre 50 e 55 anos.
O fato é que, ao
alcançarem a condição para aposentadoria, esses trabalhadores não
hesitam em buscar junto à Previdência Social o benefício que lhe é de
direito. A redução do benefício decorrente do fator previdenciário não
corresponde a motivo inibidor, como dito antes, apesar de ter sido esta a
razão de sua existência.
A não inibição
decorre da continuidade das relações de emprego até então existentes, ou
mesmo, com novas pactuações, de outras relações de trabalho.
Aposentado que
continua a trabalhar, mantém seus direitos regularmente, sendo
respeitados perante a empresa, podem sacar mensalmente as contribuições
do FGTS. Numa eventual dispensa, possui o direito à indenização dos 40%
do FGTS pertinente à totalidade do contrato de trabalho.
A aposentadoria
previdenciária com o cálculo via fator previdenciário não é o suficiente
para manter o mesmo padrão de vida do trabalhador, que por sua vez, se
vê na necessidade de continuar trabalhando regularmente para
complementar sua renda.
A aposentadoria e o fator previdenciário - a contribuição sem sentido - o tal pau que bate Chico bate em Francisco
Até 1995, o
empregado que continuasse a trabalhar sofria os descontos
previdenciários de seus vencimentos. Num eventual desligamento do
emprego, aquelas contribuições realizadas após a aposentadoria
retornavam-lhe como um pecúlio.
Com a lei 9.032/95,
isso mudou. Deixou de existir o pecúlio. Mas, se o aposentado continua
no emprego, permanece a necessidade de recolher as contribuições à
Previdência, as quais em nada servem a priori para o trabalhador, pois
por já receber aposentadoria não possui direito a benefícios como
auxílio-doença, acidentário e outros , nem mesmo uma nova aposentadoria.
Também a aposentadoria passou a não implicar na necessidade do rompimento da relação de emprego por conta da lei 8.213/91.
A manutenção dos
vínculos e contribuições levou à discussão da chamada desaposentação, na
qual o contribuinte da Previdência Social postula o cancelamento de sua
aposentadoria anterior, na busca de uma nova. Para isso, passou a
requerer o novo benefício, considerando as contribuições feitas
posteriormente à aposentação e a idade no momento desse novo pedido. Em
resumo, o fator previdenciário gerou um benefício inferior, que conduziu
o trabalhador a continuar no mercado de trabalho, para, no momento
seguinte, buscar condições mais adequadas para uma outra aposentadoria.
A conclusão que
fica é: a pretensa economia com a aplicação do fator previdenciário, por
conta da precocidade das aposentadorias, deixa de existir com a própria
lógica que o sistema de arrecadação previdenciária criou. Não existe
razão alguma de se impor uma contribuição para algo que é feito sem
sentido, isto é, aquele que se aposenta e continua a trabalhar, ao se
ver obrigado a manter as contribuições previdenciárias, é claro que
também buscará o direito a ter essas contribuições revertidas para o seu
benefício. A desaposentação - algumas vezes reconhecida com nenhuma
compensação dos valores que a Previdência pagou como benefício – ao
contrário de representar economia aos cofres previdenciários, gera um
déficit ainda maior a eles.
A aposentadoria e o fator previdenciário - não há vagas
Outra lógica perversa do fator previdenciário é o mercado de trabalho.
Como acima abordamos, as pessoas continuam a se aposentar na faixa etária entre os 50 e 55 anos.
Também é fato que,
aposentando-se nessa idade, as condições para a continuidade no mercado
de trabalho são atrativas. Para o aposentado empregado é a condição de
ter uma renda complementar. Na verdade, a aposentadoria assume o papel
de uma renda suplementar ao salário, de ter o saque dos valores da conta
do FGTS, bem como os recolhimentos seguintes a aposentadoria. Para o
empregador, é fato que ele continuará como um empregado que já conhece o
sistema de produção do negócio, que não necessita de formação e
qualificação, e ainda, não tem a necessidade, naquele momento, de
pagamento de indenizações devidas pela rescisão contratual.
Sendo assim, passou
a ser regular a continuidade das relações de emprego dos empregados
aposentados. Com isso, o mercado de trabalho sente as consequências. As
vagas decorrentes das aposentadorias e de desligamentos, que poderiam
estar à disposição, deixam de existir. O prejuízo desse ciclo afeta,
exatamente, a entrada da juventude no mercado de trabalho. Cada dia mais
se constatam as dificuldades para o primeiro emprego e, em alguns
segmentos, a estagnação de carreiras.
Um paralelo não
relacionado à previdência do trabalhador vinculado ao INSS reside nas
carreiras públicas. Com a obrigatoriedade da contribuição previdenciária
em carreiras como do MP e da Magistratura, bem como com a suspensão do
desconto previdenciário, o qual persiste enquanto não aposentado o
servidor, é notório o envelhecimento da carreira, com a permanência dos
profissionais.
Portanto, o fator
previdenciário ao estimular a manutenção do empregado no mercado de
trabalho, com continuidade dos vínculos, também resulta, numa outra
ponta, na dificuldade de renovação das vagas de trabalho, por não
existir o regular afastamento decorrente das aposentadorias.
A aposentadoria e o favor previdenciário - a luz no final do túnel - falta o interruptor
Nos últimos anos, o
fator previdenciário e as críticas que enumerei acima se avolumam. A
alternativa mais plausível a buscar o seu fim é oferecida de forma
consensual pelas Centrais Sindicais brasileiras, a chamada fórmula
85/95.
Nessa fórmula, o
benefício da aposentadoria seria calculado tomando-se por base a
somatória do tempo de contribuição com a idade. Para a mulher, seria
necessário atingir o número 85, enquanto que, para o homem, o número 95.
Esse procedimento
resultaria na integralidade do benefício, deixando de existir a variação
do mesmo por conta da idade e expectativa de vida. Consistiria numa
sistemática, onde a resultante idade não seria impedimento a se atingir
uma aposentadoria digna, mesmo o trabalhador se aposentando com idade
inferior ao que hoje seria a garantia para o teto de benefícios, pois se
o trabalhador iniciou no mercado de trabalho cedo, a resultante tempo
de contribuição seria maior a gerar a possibilidade de maior ganho.
Exemplificando: um
homem que tenha começado a trabalhar aos 15 anos de idade, aos 55 anos,
após 40 anos de contribuição, alcançaria a totalização 95, o que lhe
garantiria a aposentadoria integral, que, pelo fator previdenciário de
hoje, somente existiria quando ele atingisse a idade superior a 62 anos.
Na mesma situação uma mulher, iniciando as atividades aos 15 anos,
alcançaria essa possibilidade aos 50 anos, ou seja, muito tempo antes do
que oferece o fator previdenciário.
Imaginemos que esses trabalhadores tenham contribuído desde 1994, pela contribuição máxima para a Previdência Social.
No caso dele,
considerando o fator previdenciário, o benefício de sua aposentadoria
corresponderá a R$ 3.226,23. Se adotado o critério defendido pelas
Centrais após 40 anos de trabalho, mesmo com 55 anos de idade, sua
aposentadoria corresponderia a R$ 3.900,19.
No caso dela,
considerando o fator previdenciário, o benefício de sua aposentadoria
corresponderá a R$ 2.690,35. Se adotado o critério defendido pelas
Centrais após 35 anos de trabalho, mesmo com 50 anos de idade, sua
aposentadoria corresponderia a R$ 3.900,19.
Nessa proposta em
discussão no Congresso, caso não se atinja os totais de 85-95,
discute-se uma alternativa, com redutor de 2% ao ano, para cada ano que
falta para se atingir os mesmos limites.
Sem dúvida,
trata-se de uma proposta interessante, pois o cálculo do benefício não
será punitivo para quem cedo iniciou suas atividades profissionais, bem
como, o valor da aposentadoria real não servirá de estímulo para que as
relações de emprego continuem (não afasto dessa discussão a reflexão se o
contrato de trabalho deve ter seu obrigatoriamente seu término com a
aposentadoria, bem como a não necessidade de contribuição previdenciário
do empregado que retorna ao trabalho na condição de aposentado), o que
poderá significar novas oportunidades no mercado de trabalho.
Portanto, luz pode
existir no túnel, cabe ao Congresso instalar os interruptores até hoje
desligados. A escuridão gerada pelo fator previdenciário somente poderá
continuar a causar tragédias ao patrimônio dos trabalhadores.
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* Eduardo Surian Matias é advogado da Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.